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Red Pass

Rumo ao 38

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Zenit 3 - 1 Benfica: Profunda Desilusão

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As noites europeias fizeram muito pelo crescimento da mística benfiquista e da paixão ao clube de milhares de adeptos que foram passando esse amor de geração em geração. Essas noites europeias eram mágicas e marcaram a minha infância, a minha adolescência e boa parte da minha vida adulta. 

Começaram por ser noites de mistério. Nunca sabíamos bem que nos vinha visitar à Luz, os jogadores, os equipamentos e como jogavam. Para quem vivia perto do antigo Estádio da Luz, como eu, eram noites de agitação mesmo antes de ter idade de poder ir ao jogo. A rumaria do povo com bandeiras e cachecóis vermelhos e brancos que enchia as ruas entre a Estrada de Benfica e os montes para lá do campo dos Pupilos do Exército. O fascínio dos holofotes ligados, coisa rara nos anos 80 em que se jogava quase sempre à tarde nas provas internas, as originais e lindas torres de iluminação da Luz que rasgavam o céu negro nocturno com um clarão impressionante que só aumentava o desejo de ali estar a quem não podia ir ao estádio. Horas à janela a olhar para aquele clarão e à espera do emocionante "bruá" que se ouvia a céu aberto a cada golo do Benfica e que a rádio logo a seguir confirmava com todos os detalhes narrados a alta velocidade. 

As noite das vitórias dramáticas com o Karl Zeiss Jena, com o Liverpool e com o Dukla de Praga, as noites de glória com a Roma, com o Steaua de Bucareste, com o Marselha, aqueles jogos de primeira mão que nos deixavam desconfiados mas que depois acabavam em festa com o Arsenal, com o Leverkusen, com o Craiova, com o Betis e tantos outros. 

Estas eram as noites do Benfica, quando se saía da pasmaceira da competição interna e se mostrava ao mundo o que era o Benfica. Está no nosso ADN. Deviam ser as noites mais desejadas por toda a gente. 

Não sei quando é que isto deu a volta mas a verdade é que os sinais foram aparecendo nos últimos anos. Cada vez que oiço que é preciso poupar num jogo europeu porque a seguir há campeonato fico sempre baralhado. Quando comecei a ter a sorte de ver os jogos europeus na Luz, e posso dizer que desde o começo da década de 80 que não perco uma partida do Benfica nas provas da UEFA ao vivo no Estádio da Luz, era precisamente o contrário. Antes do compromisso europeu é que se poupava um ou outro jogador para a noite de gala. Até o ensaio geral costumava ser sábado à noite. 

Isto mudou quando os Halmstads da vida conseguiam afastar o Benfica. Bateu no fundo quando o Benfica ficou fora das provas da UEFA dois anos seguidos. Impensável! Que dor. Depois de ter ficado fascinado pelas noites europeias, ver o Benfica fora da Europa foi das maiores decepções da vida.

Houve retoma e lentamente o Benfica lá voltou ao seu lugar europeu. Discutiu uma eliminatória com o Inter, bateu o Manchester United na Luz, eliminou o Liverpool campeão europeu em Anfield, voltou a duas finais europeias, reencontrou o seu espaço. 

Depois disto, o clube entrou num impasse misterioso. Vai dez vezes seguidas à Champions League, o que é óptimo, mas de ano para ano aparece menos ambicioso no discurso e no campo. Parece que garantir a presença na competição é um fim e não um meio de voltar a fazer história internacional. O ciclo agravou-se nos anos recentes com uma série de derrotas e apenas duas vitórias contra o... AEK. 

Sempre houve desculpa e os próprios sócios parecem ir desculpando os insucessos com a prioridade ao campeonato nacional. É uma postura perigosa como agora se vê. 

A atitude nunca pode ser de desprezo pelas provas da UEFA e ganhar em Portugal. Também não deve ser de candidatos a ganhar a Champions League e ter um Benfica europeu até Maio todos os anos. Tem que haver um equilíbrio. E esse equilíbrio tem que começar quando se assume a importância e o peso que as provas internacionais têm no passado do clube. O Benfica nunca foi só de consumo interno. Também nunca foi um clube presente em finais europeias todos os anos, tirando ali a década de 60 e 80, mais as duas finais de Liga Europa mais recentes. Mas o Benfica cresceu muito e angariou muitos fieis graças à ilusão dos duelos europeus. Isso não se pode perder. 

Um clube estável a nível financeiro como nunca esteve, ganhador a nível interno nesta última década, com uma organização invejável não pode desprezar os compromissos europeus. 

Por isto mesmo, no arranque desta época ouvimos Direcção e treinador sintonizados na vontade de fazer mais e melhor na Champions League, assumir a dimensão internacional. A International Champions Cup foi um bom aperitivo mas as duas primeiras jornadas da Liga dos Campeões foram uma forte e profunda desilusão. 

Bruno Lage não conseguiu transitar o futebol ambicioso que mostrou no campeonato desde que chegou para a Europa. Sente-se que o que jogamos é curto neste contexto de Champions. 

Já o tinha escrito na jornada 1, o discurso não batia certo com o que jogamos. Agora é preciso reflectir. O Benfica tem que pensar em grande, tem que assumir o desafio em vez de entrar com receio, desconfiado das suas capacidades. Tem que deixar os complexos de inferioridade e assumir que é capaz. 

Na Rússia só se aproveitou a estreia de Raul de Tomás a marcar. Que se parta daí para novas ideias. 

Exige-se que o futebol do Benfica dê outra imagem na Europa e termine este ciclo horrível que nos consome a todos. Quanto mais depressa assumirmos que algo está errado nestas abordagens europeias, mais depressa podemos responder de outra maneira. 

O Benfica não pode virar costas à Europa. Às vezes acontece o pior, como nos casos que dei das noites com o Karl Zeiss ou Dukla, mas temos que sentir a ilusão do apuramento algures na luta e não este deserto de sentimentos que nos invade invariavelmente após sofrermos o primeiro golo. 

Há quatro jogos pela frente, sintam a vontade de os jogar como nós já sentimos desde os tempos das torres de iluminação acesas na velha catedral. Estas noites não podem ser de pesadelo, foram feitas para serem mágicas. O Benfica que volte a assumir essa responsabilidade de iludir e fazer sonhar. Todo o Benfica, de dentro para fora e de fora para dentro. O nosso passado assim o exige.