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Red Pass

Rumo ao 38

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Vitória de Guimarães 0 - 1 Benfica: Conquista no Berço da Nação

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Se gostam de futebol, se adoptaram um clube para a vida, se apreciam o espectáculo ao vivo, independentemente das vossas cores, façam o favor de colocar nos vossos afazeres uma ida a Guimarães para assistirem a um jogo da vossa equipa com o Vitória SC. Esqueçam o perigoso fanatismo dos adeptos de Guimarães e os episódios negativos que já aconteceram ali. Informem-se da melhor maneira de estacionar e ir para o estádio e vão ver que está tudo bem organizado pelas forças de segurança. E depois desfrutem de uma experiência rara em Portugal, estar em minoria num estádio vestido de preto e branco, orgulhoso da sua cidade e incansável no apoio à sua equipa. Um ambiente contagiante que motiva ainda mais o sector visitante e leva ao limite todas as manifestações de apoio, das mais habituais às mais radicais. Arremessar tochas para o relvado é uma idiotice, já escrevi isto aqui vezes sem conta. Troca de tochas entre bancadas já é ultrapassar os limites do bom senso, arremessar cadeiras para outras bancadas e relvado também é dispensável. Tudo isto aconteceu com da parte das duas bancadas, da casa e da visitante. São excessos indesejados mas que resultam de um contexto de tensão e confronto no limite. Já tinha acontecido antes, vai voltar a acontecer mas não retira força à experiência de viver fortes emoções à volta de um jogo de futebol. 
Por tudo isto, a visita ao D. Afonso Henriques é sempre encarada com desconfiança e respeito. O único objectivo é somar 3 pontos e seguir na frente do campeonato. Mas para se vencer em Guimarães é preciso uma enorme dose de esforço, paciência, suar muito, perceber todos os momentos do jogo, fazer golo e jogar com o tempo e espaço dado pelo adversário. 

A equipa do Vitória é superiormente treinada por Ivo Vieira, tem jogadores muito interessantes, merecem estar na parte superior da tabela do futebol português e jogam muito bem. Ganhar ali não é é para todos. É preciso estar focado, concentrado e atento a todos os pormenores da partida. Na bancada é preciso ter voz, garganta e pulmão para que a equipa do Benfica nunca se sinta sozinha naquele ambiente adverso. 

Quando Pizzi contraria toda uma bancada que do outro lado do estádio pedia para rematar à baliza para fazer um passe atrasado para Cervi, todos entramos num segundo de hesitação. Como se os milhares de benfiquistas suspendessem a respiração naquele topo. Para dois segundos mais tarde explodirem num festejo colectivo tão alto que chegou às muralhas do castelo. Pizzi é um génio a decidir. Cervi é um profissional que soube esperar a sua vez para mostrar toda a sua qualidade e como pode ser decisivo numa maratona que tem muitas oportunidades para oferecer. É o grande momento da noite. Pizzi na direita a optar por assistir, em vez de rematar e Cervi a rematar de pé direito, o pior, para um golo tão desejado quanto festejado. 

Depois havia que sofrer muito. Todos sabíamos. A equipa está habituada a estes cenários e sabe tudo sobre estes jogos. Ferro e Ruben em grande noite e Adel Taarabt com uma exibição enorme e poderosa foram os elementos mais valiosos. Acima de todos, Odysseas imperial na baliza a assinar a exibição perfeita. Daquelas que valem pontos. 

Quem larga tudo para viajar no primeiro sábado do ano e fazer mais de 700 quilómetros só para ver um jogo de futebol ao frio impiedoso do Minho, tem de gostar muito do clube e de futebol. E se gosta tanto, então sabe que a expectativa para esse jogo não é ver um recital de futebol, uma partida divertida e cheia de bom futebol. Porque o futebol não é só exibições a terminarem com goleadas e facilidades. O futebol também pode ser, e é muitas vezes, um jogo de sofrimento, de nervos, de receios, de incertezas. Um jogo em Guimarães está sempre muito mais perto de ter esta cara de batalha de futebol e menos de poesia de bom futebol e muitos golos. Por tudo isto, quando o jogo acaba e se vence por 0-1 o sentimento de conquista e dever cumprido é muito maior do que na grande maioria dos jogos do calendário português. Entrar nesta aventura de ir atrás da nossa equipa de futebol para testemunhar um jogo destes é quase um acto de masoquismo. Quando acaba bem até parece que o regresso de 360 quilómetros marcados no GPS é uma viagem curta e agradável. 

E todos nos sentimos um bocadinho responsáveis pela vitória. É muito bonito ver toda a bancada visitante em harmonia com a equipa no pós jogo. Aquele momento em que tudo faz sentido, eles no relvado a sentirem que deram tudo a agradecer o apoio de um topo que transpira orgulho na sua equipa. 

Isto é o futebol vivido por quem guia a sua vida à procura destas emoções. É muito frustrante quando corre mal mas é muito compensador quando corre bem. 

 

Tudo o que vai além deste contexto já é outra coisa que nenhuma ligação devia ter com o futebol. No rescaldo do jogo aparecerem dezenas de figuras que se limitam a estar no sofá ou em estúdios de televisão de telemóvel na mão a orquestrarem reacções de acordo com o que mais lhes convém para destruírem tudo o que foi conquistado no ambiente que já descrevi, é um atentado ao jogo. Pessoas que não sabem o que é largar a família, pagar um bilhete caro, gastar dinheiro em gasolina, refeições e portagens, passar um dia na estrada só para ver 90 minutos de futebol ao frio, rodeado de policias, a sofrer lance a lance, a vibrar a cada golo e a cada defesa decisiva, pessoas que só apareceram nos últimos anos com o propósito de explicar ao mundo que tudo isto é um engodo e que está tudo viciado. Pessoas que estão tão confortáveis nos seus poleiros e de bolsos cheios e felizes com as figuras que fazem que nem dão pelo tempo passar. Só nos últimos seis anos, passaram cinco nisto e só em uma temporada é que tudo foi limpo, legal e bem ajuizado. O resto é tudo uma falcatrua gigante e só truques para prejudicarem as suas equipas. Nenhuma dessas figuras, no entanto, se farta deste roubo e se dedica à sua área profissional. Assumirem que o futebol é só o assunto mais importante das coisas sem importância e partirem para melhorarem a classe política, a classe jurídica, a classe dos músicos portugueses, a classe dos jornalistas, assumirem-se como comentadores com cores próprias e deixarem de ser falsos isentos sonsinhos ou, simplesmente, pagarem o que devem. Mas não! Estão ali perpetuados no seu papel justiceiro de dedo apontado. Nem que seja só a um lance em 90 minutos. Um lance reduzido a frames manhosas que nada explicam e apenas justificam narrativas nojentas fazendo de estúpidos todos os adeptos que ainda vivem para encher estádios. 

 

Sugiro que se acabe com as transmissões televisivas de todos os jogos do campeonato português. Desliguem as câmaras. Devolvam o futebol a quem o joga e a quem quer sentir as suas emoções nas bancadas. Se quiserem viver às custas de conspurcarem o jogo diariamente, tirem os rabinhos das cadeiras e sofás e façam-se às estradas deste país e sofram o que nós sofremos, semana após semana, só para vermos as nossas equipas ao vivo. Ou então façam o mesmo que eu fiz nos anos 90. A partir do momento que vi guarda redes a defenderem com a mão bolas fora da grande área, que vi golos anulados por anca na bola, ou por foras de jogo bíblicos que devem atormentar o pobre Amaral até hoje, ou árbitros a fugirem à frente de uma equipa em fúria, por exemplo, passei a ir só à Luz em movimentos automáticos sem questionar o que me levava a continuar a ir aos jogos. Apenas ia porque gostava de estar na Luz. Mas deixei de discutir futebol, passei a ver mais jogos internacionais e deixei de ir ver jogos fora da Luz com regularidade. Ou seja, sofria para dentro, não acreditava naquilo mas também não chateava ninguém. 

 

O Benfica ganhou sem brilho, o Benfica passou aflito no teste de Guimarães, o Benfica venceu pela margem minima. Sim, sim. Foi isso tudo. Ou então, o Benfica somou 3 pontos no cenário mais duro que teve de enfrentar até agora.

Foi uma enorme vitória do Benfica, foi um arranque de ano maravilhoso. Fui a Guimarães, voltei e estou a escrever às 4 e tal da manhã. E faço-o para contrastar com quem só destrói o jogo. Por respeito a amigos e companheiros que estão acordados a esta hora e rumam agora ao aeroporto de Lisboa para voltarem para o seu local de trabalho actual, como o grande TM que nos guiou hoje de Lisboa a Guimarães e de Guimarães a Lisboa, foi a casa buscar a mal e segue para a sua rotina. Bem longe dos estádios portugueses, a sofrer ao longe mas feliz por aquilo que Bruno Lage tem dado ao clube desde que chegou. Indiferente ao ruído poluente. 

O Benfica é muito, mas mesmo muito, maior que todos os ódios juntos porque o amor e entrega dos seus adeptos abafa a raiva e inveja do resto do país.