Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.
Infelizmente, Eusébio morreu hoje. O Eusébio dos autógrafos, dos sorrisos na rua, dos acenos, o homem desapareceu. A lenda continua, já era maior que ele há 40 anos quando eu nasci, vai ficar ainda maior.
A revista Un Caño é argentina e tem uma forte presença nas redes sociais. Os seus artigos são maravilhosos e costumam ser imperdíveis. Quando uma revista que adoramos se foca no Eusébio do Benfica estamos perante um epifania.
Desfrutem:
Eusebio estuvo en Islandia
El día en que la Pantera Negra de Mozambique reunió al 10% de la población de un país que quería verlo jugar un partido de la Copa de Europa.
Mariano Mancuso
El mejor jugador de fútbol sale a la cancha. Es el 18 de septiembre de 1968. El futbolista, macizo, musculoso, negro, ingresa al campo con paso lento, sin trotar. Va vestido con los mismos pantalones cortos, blancos, y la misma camiseta roja que llevan sus compañeros de Benfica. Pero solo él parece llamar la atención.
Sobre su centro de gravedad se arremolinan decenas de pibes entre pálidos y rozados, todos rubios, casi albinos, todos altos, que intentan tocar al extraño ídolo preto, al que solo habían visto jugar, un par de veces, por televisión. La pasión futbolera de los islandeses arrancó hace mucho más que un año en una Eurocopa.
Es el entretiempo del choque que Valur empata sin goles ante el subcampeón de Europa, en Reykjavík. Tendrán que pasar 30 minutos más de jugueteos entre la Pantera Negra y esos chiquitos blancos que invadieron la cancha para poder desalojarla y terminar, de una vez por todas, ese partido. En Islandia, nunca nadie vio nada igual.
A finales de los 60, Benfica era el mejor equipo de todos. Había jugado cinco de las siete finales de la Copa de Europa que se habían disputado en la década. Eusebio era su líder futbolístico. La base de ese equipo había conformado la selección de Portugal que llegó a las semifinales del Mundial de 1966 en Inglaterra.
Unas semanas antes, Benfica había perdido la final europea de 1968 ante Manchester United, en Wembley. Esa tierra seguía siendo yerma para los portugueses. La maldición de Bela Guttman recién estaba empezando a sentirse, era la tercera definición que se les escapaba. Así, las temibles Águilas llegaron a Islandia para enfrentar al campeón local que, casualmente, también juega de rojo y lleva un ave guerrera en su escudo.
Los islandeses, que tenían poco más de un par de décadas como nación independiente, casi no acumulaban antecedentes en competencias europeas. Esta era, apenas, su quinta participación en la Copa de Europa. Salvo Valur, que en la temporada anterior había empatado los dos partidos ante el campeón de Luxemburgo y avanzó por gol de visitante, nunca habían pasado la primera ronda. Y el único antecedente ante un rival tan grande era el de KR Reykjavík que había sido goleado por Liverpool en los dos juegos.
La presencia de Eusebio desató un furor inédito en la isla. Según los registros, 18243 personas desbordaron el estadio Nacional de Laugardalsvöllur, entonces con capacidad solo para 7 mil espectadores. Fue la mayor convocatoria para un partido de fútbol en Islandia durante el resto del siglo XX. Teniendo en cuenta que para fines de los 60 la población del país no llegaba a los 200 mil habitantes, podemos decir que la Pantera Negra reunió al 10% de Islandia en una cancha de fútbol. Y si pensamos que en Reykjavík, la siempre populosa capital, vivían menos de 80 mil personas, todo se vuelve más insólito aún.
“Fue muy surrealista”, cuenta Sigurður Dagsson, el arquero de Valur ese día. “Fue una linda jornada de celebración, con una atmósfera increíble”, agrega. De Eusebio recuerda su sencillez para recibir el afecto de los islandeses: “Es algo que no se podría ver hoy. Él jugaba con los chicos, se colgaba del arco, les firmaba autógrafos”.
Valur aguantó el empate sin goles hasta el final. Aún se lo considera uno de los grandes eventos deportivos en la historia del país. Eusebio estuvo bastante marcado y no pudo, o no quiso, con los defensores islandeses. Dagsson, dicen las crónicas, fue la figura del partido. Para el arquero, no podrían haberlo conseguido sin el apoyo de todo ese público que ocupó la única tribuna lateral que tenía el estadio, las que se instalaron para la ocasión, el tablero analógico y cualquier otro rincón disponible. En la revancha, el 2 de octubre, en Lisboa, Eusebio anotó un gol y Benfica marcó la real diferencia entre ambos equipos. Los portugueses ganaron 8-1 y avanzaron a la segunda ronda. Ahí, Ajax los eliminó luego en una serie que necesitó un tercer partido.
Recién en 2004, en un amistoso entre Islandia e Italia, que ganaron los locales 2-0, se pudo superar aquella convocatoria récord. La nueva marca, todavía vigente, es de 20204 espectadores. Esa vez, también estuvo Eusebio, quién fue invitado por la federación islandesa, junto a Dagsson y otros jugadores de Benfica y Valur para recordar aquella hermosa tarde de otoño.
Un libro, ‘Eusebio, la Pantera Negra’, una versión ampliada de su autobiografía publicada en Portugal en 1967, que encontramos, medio dormidos, entre los estantes de una cafetería de Reykjavík mientras desayunábamos, nos regaló esta historia. La versión islandesa se publicó en 1968, para celebrar la visita del nacido en Mozambique, e incluye las fotos de ese partido que ilustran esta nota.
El estadio Nacional de Islandia, renovado por última vez en 2007, ahora tiene otra tribuna lateral, enfrentada a la original, y lugar para 9800 espectadores sentados, ampliable a 15 mil. Ante el auge del fútbol islandés la federación se ilusiona con construir ahí mismo un estadio techado, ultramoderno, con más tribunas y mayor capacidad.
Valur, juega de local en su cancha de una sola platea junto al aeropuerto local. Ahí lo vimos ganarle a Vetspils, de Letonia, por la Europa League. Hace frío hasta en verano, gritan algo parecido a gol y suena Samba de Janeiro cuando festejan. En su museo, no olvidan que una vez le empataron al eterno Benfica de Eusebio.
Em Maio de 1968, o Benfica preparava-se para jogar mais uma final da Taça dos Clubes Campeões Europeus em Londres, após ter afastado nas meias finais a Juventus.
Antes do jogo de Wembley contra o Manchester United, Eusébio foi até uma loja de discos procurar algum vinil que não encontrava em Portugal. O bom gosto musical do King é revelado pelas escolhas cheias de soul e funk dos discos de Otis Redding e Marvin Gaye com Tammi Terrell. No final dos anos 60, esta Startime record shop era uma das lojas famosas de Harlow. Celebremos assim o Dia Europeu da Música.
A CBF arranjou maneira de anular o encontro inédito entre o Benfica e a Chapecoense que iria marcar a Eusébio Cup 2017. O assunto ainda vai alimentar muita polémica no Brasil, os observadores brasileiros apontam o dedo à CBF dizendo que se o convite tivesse sido endereçado aos clubes mais poderosos a Confederação não iria actuar desta maneira. Isto faz-nos lembrar que o São Paulo já foi um dos convidados deste troféu e compareceu a meio do Brasileirão. Fica a curiosidade de ver se a Chapecoense também vai faltar ao torneio Juan Gamper em Camp Nou com o Barcelona.
Entretanto, o Benfica tem que arranjar um novo adversário e, humildemente, deixo aqui uma sugestão que é do agrado de muitos benfiquistas e que marcaria um reencontro na história do nosso clube com os croatas do Hajduk Split. Seria bonito. Não sei se é viável porque o Hajduk já tem um calendário competitivo carregado desde cedo mas podia acontecer um acerto de datas.
Faz hoje três anos que escrevi isto e o sentimento mantém-se:
Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.
Chego a estas linhas após um longo caminho que começou há mais de três décadas quando percebi o quanto gostava de futebol. Há três caminhos possíveis para se viver com paixão o futebol. O óbvio, que é começar a gostar tanto de um clube que o acabamos por seguir e defender até ao fim do mundo. O geral, que é perceber que se gosta tanto do jogo que a dedicação a ele vai muito além da paixão clubística. E o patriótico, naturalmente se gostamos de futebol queremos que o nosso país seja o melhor neste desporto.
O caminho clubístico foi interiorizado muito cedo e nem merece discussão.
O caminho de gostar do jogo em geral veio logo a seguir quando senti que os jogos de uma só equipa não satisfaziam o meu gozo de ver futebol. Veio o Mundial 1982 e tudo mudou, percebi que se podia vibrar com um emblema de forma incondicional mas também se podia ver futebol com prazer. O caminho patriótico foi o mais complicado de sentir, explicar e viver até hoje. E é sobre esse que vou falar neste espaço dedicado à final do Euro 2016, o tal onde vim parar por paixão ao jogo e pela necessidade de me juntar com amigos, até de outros clubes, que vivam estas fases finais com o mesmo entusiasmo que eu.
Já o meu clube ganhava campeonatos e jogava finais europeias quando me encantei pela primeira vez pela Selecção portuguesa. Foi no verão de 1984, finalmente podia ver jogos com o prazer supremo da descoberta que já vinha do Mundial dois anos antes e, ao mesmo tempo, ter uma equipa com quem sofrer e torcer. Quando perdemos com a França fiquei de rastos. Por um lado não tinha noção do valor dos gauleses, só mais tarde percebi que era uma grande equipa, por outro lado começava a desconfiar que o futebol bonito não vencia taças, ainda não tinha recuperado da queda do Brasil'82. Mas o pior foi ouvir os comentários dos mais velhos a dizer que nunca iríamos fazer melhor do que aquilo. Nem o Eusébio em 1966 tinha conseguido melhor que um 3º lugar no Mundial, portanto...
Ou seja, cresci com a barreira invisível de nunca poder ver o meu país fazer melhor do que deixou feito num Mundial em que eu ainda nem era nascido. Interessei-me, li sobre a epopeia dos Magriços, vi as imagens icónicas do Rei a chorar. Portugal era aquilo. Fomos longe mas não nos deixaram fazer mais. Nem o Eusébio foi capaz. Era este o mote para a minha vida de adepto da Selecção.
Claro que a minha geração recusou acreditar nesta fatalidade e entre nós dizíamos que íamos ver mais e melhor. Estivemos em França em 84 graças a um milagre duplo, Chalana cavou um penalti e Jordão bateu o monstruoso Dasayev. Estava no 3º anel com os meus amigos de vários clubes da minha rua. Vibrámos e festejámos tão intensamente esse apuramento como o seguinte para o México. Outro milagre, Carlos Manuel do meio do campo manda uma bomba que "Toni" Schumacher, outro guardião monstruoso, não segurou. Portugal batia a RFA em Estugarda, coisa inédita! Crescia entre nós, putos, a convicção que íamos celebrar grandes feitos da nossa Selecção. O entusiasmo durou até ao final do jogo com a Inglaterra, vitória épica por 1-0. Olhava para os mais veteranos com o orgulho de dizer aos 13 anos que a tal derrota em Wembley estava agora vingada, tínhamos caminho livre para o sonho que José Torres alimentou. Acabámos atraiçoados com o que se passou a seguir. Derrota com a Polónia e humilhação com Marrocos. Que facada, Saltillo!
Ficámos sozinhos na dor já que as gerações mais velhas encolhiam os ombros e pareciam pouco surpreendidas com tamanha vergonha. Se calhar 1966 era mesmo irrepetível. Atraiçoados mas não convencidos, continuámos a acreditar que Portugal ia dar a volta e apresentar uma Selecção à medida da nossa paixão e ambição. Mesmo sabendo que íamos para um apuramento para o Euro da Alemanha em 1988 com uma equipa de segunda escolhida por um advogado(!), lá fomos para o Jamor ver o empate com a Suécia e a derrota com a Itália. O jogo com Malta foi marcado para o Funchal e acabou num embaraçoso empate 2-2. Falhámos a presença no Euro 1988 e o nosso orgulho estava cada vez mais ferido. Já não havia como gostar e vibrar com a nossa Selecção, tiraram-nos todos os argumentos.
É aqui que a minha geração fica com uma cicatriz difícil de sarar, olhamos sempre desconfiados para a Selecção depois de tantas esperanças nela depositadas. Como a paixão pelo jogo se mantinha intacta, é por estas alturas que somos obrigados a eleger selecções alheias para dar mais emoção ao acompanhamento de fases finais que Portugal teimava em ficar de fora. Uns torciam pelo rigor italiano visto em 1982, outros ficaram para sempre encantados pela canarinha de 82, muitos ainda hoje torcem pela Argentina de D10S Maradona e há quem goste da Alemanha. Eu, neste caso.
Foi no Euro'88 que um amigo da minha mãe a viver em Hamburgo ao saber da minha dedicação ao futebol ofereceu-me aquela camisola da RFA com listas frontais com as cores da bandeira. Foi antes do torneio e fiquei fascinado com o futebol alemão desde aí. Tão simples como isto, passei a ter uma equipa pela qual torcia nas fases finais de Euros e Mundiais. Eu fiquei com a Alemanha, os meus amigos e vizinhos torciam por outras equipas. Sem problema nenhum, sem ninguém nos apontar o dedo acusador de traição. Foi adopção por ausência própria.
Euro 1988, Mundial 1990, Euro 1992, Mundial 1994, tudo torneios onde Portugal não entrou. Cheguei aos meus vinte anos, já adulto trabalhador sem esperar absolutamente nada de Portugal. Foi assim que cresci, foi este contexto que me apresentaram. E o fantasma de 1966 cada vez maior e mais pesado.
No entanto, houve uma esperança muito importante que nos voltou a dar algum alento. Ainda em 1989 quando os juniores se sagram campeões do Mundo em Riade, com direito a dispensa das aulas para ir ver a final, voltou o direito ao sonho. Direito esse que foi reforçado dois anos depois na Luz com renovação do título mundial na Luz contra o Brasil. EM 1991 fui ver os jogos todos de Portugal na Luz e vivi, ainda com os amigos de infância, toda a aventura rumo ao título mundial. A final na Luz foi dos ambientes mais impressionantes e loucos que presenciei na minha vida. A chama voltava a estar acesa. Mas foi preciso esperar por 1996 para voltarmos a vibrar com Portugal.
Novamente em Inglaterra caímos no antepenúltimo jogo antes do sonho. O fantasma de 1966 estava maior que nunca.
Para piorar o cenário, voltámos a falhar uma presença num Mundial em 1998. Era o regresso a França. Nova facada.
O triste fado parecia não ter fim, as fases finais eram vividas com picardias em base de apoios em países emprestados, não era a mesma coisa que torcer pelo nosso país. Foram muitos anos nisto.
Até que em 2000 tudo mudo. Portugal passou a ser presença habitual nas fases finais. Também porque os formatos de Europeus e Mundiais foram evoluindo no sentido de se alargarem e receberem muito mais equipas de acordo com o desenvolvimento europeu e mundial. Passou a ser mais acessível e Portugal aproveitou para se fixar entre os grandes.
O Europeu de 2000 devolveu a felicidade juvenil de vestir a camisola das quinas, juntar os amigos e voltar a sonhar. Um trajecto orgulhoso que nos levou ao penúltimo jogo. Caímos contra os franceses. Lá vinha o fantasma.
O entusiasmo voltou e carregou a equipa nacional para o apuramento para o primeiro Mundial asiático. Depois de tão boa prestação na Bélgica e Holanda a esperança era enorme. Voltámos a ser atraiçoados por uma comitiva que ficou mais conhecida por episódios pouco dignos em Macau do que pelo futebol que não apresentou perante Estados Unidos da América e Coreia do Sul. Voltávamos aos tempos humilhantes.
E, 2004 o ponto alto de toda uma vida a acompanhar a Selecção. Finalmente, tinha chegado o nosso momento. Íamos mostrar ao mundo que podemos ir mais longe que os Magriços e ganhar uma prova importante. Acabou numa tragédia grega. Nunca sofri tanto com uma derrota de Portugal como em 2004. Meto a final perdida no meu Top10 de momentos angustiantes vividos no futebol.
Mesmo assim, voltei a acreditar no Mundial da Alemanha, as bases estavam lançadas e não havia Grécia pela frente. Eliminados pela Alemanha, não era uma surpresa, só mais uma desilusão anunciada. E tal como em 1988 a "minha" Alemanha também não venceu em casa, desilusão a dobrar.
O tempo passava e o respeito pela Federação Portuguesa de Futebol era cada vez menos existente a nível pessoal. Deixei de acreditar. Quando vi Carlos Queirós de regresso torci o nariz. Queria uma boa prestação no primeiro Mundial africano de 2010 mas não acreditava. Já nem senti grande dor quando caímos frente aos espanhóis.
No Euro 2012 voltámos a sair por causa da Espanha, desta vez nos penaltis e com Paulo Bento a não entusiasmar. Mais uma desilusão nas meias finais. Já não tinha dúvidas, não nasci para ver Portugal ser feliz. Lá está, isto nem com o Eusébio fomos lá...
Chegava o Mundial do Brasil e, apesar, de continuarmos sem ganhar nada, tínhamos feito progressos, jogámos uma final, andámos em meias finais, já não éramos o país que nem ia às fases finais, estávamos mais perto de ganhar.
A esperança numa boa campanha no Brasil em 2014 era legitima. Como sempre, o nosso entusiasmo voltou a ser traído por uma presença humilhante em que não passámos a fase de grupos! Passei a vida nisto, dar um passo para a frente para depois dar dois para trás.
Passei a ver os jogos da Selecção com aquela indiferença de quem não acredita nada nisto mas se correr bem fico contente. Reparem, desde 1984 À espera de algo maior, desde 1991 à espera de ver a nossa qualidade provada com um troféu nos seniores.
Nos tempos mais recentes senti uma enorme melhoria na FPF. Mudança de atitude, mudança de mentalidade, sangue novo, ambição e muito trabalho à mostra. Falo com conhecimento de causa, conheço duas pessoas que entraram para a organização e que me devolveram a esperança de ver a Federação de futebol do meu país a ir de encontro às minhas expectativas.
Os resultados estavam à vista antes deste europeu, a Taça de Portugal foi revista, aumentada e muito melhorada. Um excelente trabalho que merece todos os elogios, embora achemos sempre que se pode melhorar ainda mais. Mas é um facto que a competição deu um grande salto qualitativo.
Depois, o meu projecto favorito, a renovação da 3ª divisão do futebol nacional. Um patrocinador capaz de impulsionar um campeonato com forte componente regional, jogos em directo num canal por cabo, grande visibilidade de um torneio que tem tudo para ser acarinhado por todos.
Também uma revista que dá eco de todas estas melhorias, enfim, senti que se deu um salto qualitativo e ambicioso na FPF. Depois a estreia da casa das Selecções, algo que ouvia falar desde miúdo, a aposta no futsal e, especialmente, no futebol feminino. Uma modernização que passa pela presença inteligente nas redes sociais e a aposta num treinador que passou pelos três clubes de futebol com mais adeptos no nosso país.
Fernando Santos apanhou uma Selecção deixada em cacos por Paulo Bento. Trouxe pragmatismo e realidade, que ele tanto usa nas suas palestras, à equipa. O Engenheiro veio provar o que eu já desconfiava há uns tempos, é muito melhor seleccionador do que treinador. Parecendo que é a mesma coisa, não é. Santos trouxe um ambiente de paz, chamou jogadores afastados por outros guerras, motivou os mais novos, confiou nos melhores e tentou fugir à inevitável pressão externa de agentes ligados ao futebol. Ganhou o respeito de todos e até a simpatia de quem não tinha saudades dele pelas passagens nos clubes. Recuperou a equipa na fase de apuramento que parecia perdida e qualificou directamente Portugal.
Soube fazer crescer a onda de entusiasmo. Tudo na FPF foi em crescendo nos últimos meses.
Eu e a minha geração sorrimos, ao menos voltámos a ter alguém que quer nos dar novamente o direito a sonhar. Mesmo que não tenhamos acreditado em nenhum momento que ia ser desta que ia acontecer magia.
O Euro em França começou, eu juntei amigos que adoram futebol e fizemos este espaço porque gostamos de escrever sobre a competição e tudo o que engloba todas as equipas e todos os jogadores. Temos uma paixão pelo jogo que vai muito além da confiança na Selecção, que era cerca de zero da minha parte.
Além da curiosidade sobre Portugal, lá vinham as picardias com amigos que torcem pela Itália ou Inglaterra e que não gostam que a Alemanha ganhe. Portugal faz uma fase de grupos ridícula e apura-se em 3º. É a antítese de tudo o que conheci no futebol até agora. Em 1984 eram 8 equipas a disputar o Euro, hoje uma equipa que empata todos os jogos segue em frente.
Nos jogos a eliminar já a conversa era outra. Já que ali estamos não quero ver Portugal perder mas a confiança continua a ser zero. Gostei do golo do Quaresma à Croácia. Já sofri qualquer coisa com os penaltis contra a Polónia. Tinha a certeza que íamos ganhar ao País de Gales. Mas tinha a mesma certeza que não ia servir de nada porque na final vinha um papão daqueles que nunca dobrámos nas fases finais.
Mas estar na final já era um grande feito. Fruto de uma incrível onda de sorte que nos meteu a jogar com os adversários mais acessíveis possíveis. E é aqui que comecei a desconfiar que o fado podia mudar. O Fernando Santos sempre foi um homem com ar de perdedor, era aquele treinador que num jogo com o Boavista na Luz viu a sua equipa acertar no poste vezes sem conta, por exemplo. Mas as vitórias da fase de apuramento, o golo da Islândia fora de horas da fase grupos, a sorte do jogo com a Croácia, tudo indicava que a sorte só queria o Engenheiro como Seleccionador de Portugal para o premiar.
O jogo com a França foi o único que vi no meio da multidão, no Terreiro do Paço em frente a um écran gigante. Estive mais de 100 minutos em crescendo. Fui da fase de acreditar zero à euforia do festejo. Mas passei pela motivação comovente dada por um grupo de jovens turistas estrangeiros que sofriam mais com o jogo do que eu. Gritavam por Portugal com convicção. Acabei completamente envolvido no jogo quando percebi que atrás de mim estava um grupo de franceses cheios de soberba à espera do seu golo para nos humilhar. Riram-se na bola à trave do Raphael e das imagens de Ronaldo a sofrer no banco. Eu sorri quando vi a bola de Gignac a bater no poste. Pensei mesmo, ora aqui está! Isto com Fernando Santos treinador era o golo da ordem no final dramático. Com Fernando Santos seleccionador vai tão acontecer epicismo.
Foi o que aconteceu naquele golo surreal de ... Éder! Andei 32 anos a conviver com esta estranha ligação à nossa Selecção para tudo ser resolvido com um golo do... Éder? Um pontapé em corrida sem olhar para a baliza matou os franceses. Finalmente, fui feliz com as cores do meu país no final de um jogo decisivo. Graças ao Éder e com o Fernando Santos a treinar. O futebol é mesmo algo de maravilhoso.
Sei que não mereci tamanha alegria de ver Portugal campeão da Europa, sei que o futebol tem sido mesmo muito generoso para com a minha paixão e toda a minha dedicação ao jogo mas não me esqueço que nas inúmeras caminhadas infelizes de Portugal ao longo destas décadas estive muitas vezes a torcer por dentro. Lembro também que no outro caminho paralelo de viver o futebol com dedicação a um clube passei mais de uma década de amargas tardes e noites e mesmo assim nunca desisti, nunca virei costas ao meu clube. Reforcei anualmente a minha paixão ao clube, ao futebol e de dois em dois anos às fases finais de grandes torneios internacionais que continuam a deliciar-me como no primeiro momento em 1982. Acabou-se o fantasma de 1966 e eu vivi o suficiente para testemunhar isso. Estou grato.
Esperei por um artigo de Valdano para terminar o meu luto simbólico pela morte de Johan Cruyff. O argentino já se manifestou com a genialidade à altura que o momento exigia e sinto-me obrigado a deixar um testemunho sobre um homem que marca a minha vida.
Desde a hora de choque em que soube da perda de Cruyff tenho dedicado muito do meu tempo a ler tudo o que me parece mais relevante sobre o holandês. Fiz questão de procurar e comprar a edição do L'Équipe com uma das melhores capas que já vi, guardei a Marca em versão digital, devorei artigos de nomes conhecidos e outros anónimos. Reli e partilhei as melhores frases de Johan sobre o futebol e ia pensando no queria dizer sobre o génio.
Podemos mesmo começar por Valdano. Estou em situação de poder afirmar duas constatações que explicam este texto. A primeira é que cedo descobri que nunca teria o jeito de Cruyff para jogar à bola, a segunda é que nunca terei o talento de Jorge Valdano para escrever.
No entanto, estão aqui dois dos principais nomes que mais influenciam algumas das maiores paixões da minha vida. Ver futebol, querer saber mais sobre o jogo, ler sobre futebol, escrever sobre futebol, entender a arte e falar sobre ela.
Depois de eu ter nascido em 1973 o primeiro campeão europeu foi o Ajax. Isto ajuda a explicar a facilidade com que herdei o fascínio por Cruyff. Naqueles primeiros anos de descoberta no mundo do futebol era essencial absorver a sabedoria dos mais velhos.
À medida que ia conhecendo o Benfica do final da década de 70, ia aprendendo que o futebol tinha mais encanto além da Luz. Já tinha revelado ao mundo grandes artistas, alguns com aura de imortais pelo que ganharam, pelo que jogaram e pela marca que deixaram no jogo. Eusébio, Coluna e seus companheiros de conquistas europeias eram os primeiros a ser absorvidos, naturalmente. Mas nomes como Pelé, Di Stefano, Puskas, Gento, Best, Charlton, Garrincha e tantos outros, iam entrando no meu universo de aprendizagem ouvindo histórias dos seus feitos pelo meu pai, pelo meu avô e outros adultos próximos. Depois, lendo os poucos livros dedicados ao assunto que havia por cá e vendo/ouvindo as transmissões raras de jogos internacionais onde Gabriel Alves e Rui Tovar acrescentavam sempre mais conhecimento da causa que era a paixão pelo futebol.
Foi a meio da década de 80 que a minha febre com o futebol atingiu o auge, após os mundiais de Espanha e México, do Euro de França, de assimilado tudo o que havia para saber sobre o Benfica da altura, a necessidade de saber mais e mais sobre futebol estrangeiro tinha uma solução nas transmissões das finais das taças europeias em Maio. Noites inesquecíveis, esperadas com ansiedade enquanto se tentava ler a Onze e devorava a Foot, revistas que começavam aproximar o futebol dos adeptos.
Curiosamente, foi durante a transmissão da final da Taça das Taças em Atenas no ano de 1987 que tive das conversas mais proveitosas sobre futebol com adultos. Em boa hora perguntei porque é que o treinador do Ajax era tão respeitado pelos comentadores. Na altura já sabia que Cruyff tinha sido grande jogador e que procurava ter o mesmo sucesso enquanto treinador mas via-se que era tratado como uma figura superior.
A mim não me parecia nada de especial o feito do Ajax vencer a Taça das Taças contra o Lokomotive Leipzig. Ganhou com um golo de um tal de Van Basten.
Fiquei contente porque me foram contando ao longo do jogo as proezas de Cruyff como jogador. Se o homem venceu 3 Taças dos Campeões seguidas a jogar pelo Ajax já era motivo suficiente para entrar para a galeria dos imortais. Mas ainda ter brilhado no Barcelona e ter levado a Holanda à final do Mundial de 1974 eram feitos ainda muito frescos na memória do meu pai e do meu avô. Não havia como não ficar rendido.
O meu avô morreu convencido que Johan Cruyff foi o melhor jogador do Mundial 1978 precisamente pela sua ausência. Contava-me repetidamente que o holandês se recusou a jogar um torneio organizado pela Argentina sob uma ditadura militar comandada por Jorge Videla. Ficámos a saber há poucos anos que não foi bem assim mas nada mudou sobre a imagem de Cruyff.
Cedo fiquei a saber que a minha Holanda 1974 foi o Brasil 1982. Percebia perfeitamente o encanto dos mais velhos com a Laranja Mecânica, já sabia que nem sempre os melhores vencem mas os que jogam melhor ficam sempre na história. Cruyff já estava na história.
Felizmente, fui a tempo de acompanhar a sua carreira como treinador. Assisti à tal vitória europeia e depois vi como mudou o futebol do Barcelona. Já todos sabem o que foi Cruyff a treinar o Barça entre 1988 e 1996.
Infelizmente, o percurso de Johan Cruyff rumo à glória como jogador e treinador cruzou-se com o Benfica. Infelizmente porque ele foi sempre feliz. Pode-se dizer que Cruyff foi uma espécie de antídoto ao Benfica europeu.
Em 1968/69 o Ajax disputou um dos duelos mais épicos da Taça dos Campeões daquela era. A equipa de Cruyff travou mais uma caminhada do Benfica rumo à final nos 1/4 de final da prova.
O Benfica foi ganhar a Amesterdão por 1-3 e pensou ter a questão resolvida mas os holandeses responderam com o mesmo resultado na Luz deixando tudo empatado. Desempate em campo neutro e vitória categórica do Ajax. A imprensa internacional falou de passagem de testemunho de Eusébio para o jovem Cruyff. Foi por esses dias que se soube da enorme admiração que Johan tinha pelo King. Vinha desde o dia que foi apanha bolas em Amesterdão na final que o Benfica venceu o Real Madrid! Eu só descobri esta história agora...
Em 1971/72 nova desfeita. Nas meias finais da Taça dos Campeões Europeus, o Ajax de Cruyff venceu na Holanda por 1-0 e sobreviveu na Luz com um 0-0. Johan disse que foi dos maiores massacres que sofreu mas como saíram vivos aproveitaram e ganharam mais um troféu na final com o Inter.
Ficou para sempre um enorme respeito e amizade entre dois figurões do futebol mundial, Eusébio e Cruyff.
O Benfica podia queixar-se de ter voltado a ser vitima das géneses de Cruyff ao perder mais tarde as finais de Estugarda e Viana contra o PSV da... Holanda e o Milan com os três melhores ... holandeses.
O destino havia de trazer Johan Cruyff ao Estádio da Luz que ele tanto respeitava.
Eu vi em 1991 o grande Barcelona de Cruyff ao vivo. Foi no caminho para a conquista da primeira Taça dos Campeões para os catalães. Foi o começo do Barça ganhador.
Havia limite de estrangeiros, Cruyff apostou em Ronald Koeman e Richard Witschge, seus compatriotas e nos geniais Stoichkov e Michael Laudrup. Tudo comandado dentro de campo por Guardiola. Mais uma vez, o Benfica não foi adversário fácil para o holandês. Na Luz ficou 0-0, no Camp Nou um magro 2-1 apurou o Barcelona para Wembley onde bateu a Sampdoria. Local mais simbólico para coroar o futebol do Barça de Cruyff era impossível.
Estava aberto um caminho que obedecia a uma regra, o Barcelona podia ganhar muito mas teria sempre que respeitar a filosofia de Cruyff. Não é por acaso que só espanhóis e holandeses, seguidores da escola de Johan, têm tido verdadeiro sucesso à frente dos culés. Uma herança preciosa mas muito séria.
O facto do jogador e treinador Johan Cruyff ter cruzado o seu destino vitorioso tantas vezes com o Benfica só acelerou e aumentou a minha admiração por ele.
Descobrir graças ao YouTube toda a a sua classe a jogar futebol, aquela finta contra a Suécia em 1974, o golo impossível ao Atlético em Barcelona, a jogada épica de abertura de partida na final de 1974 contra a Alemanha, são só alguns pormenores de uma figura maior. Tão grande quanto as suas frases que pretendiam simplificar o jogo, ditas por alguém que assumia que falava mal cinco línguas. A inteligência, o humor e a paixão pelo futebol enquanto arte elevou Cruyff para o patamar dos guardiões do templo da bola.
Gostar de futebol é compreender Cruyff.
Não por acaso, em Portugal os três diários desportivos conseguiram não respeitar a sua memória...
Há dois anos escrevi: Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.
Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.