Começo de Ciclo: Olá Rui Vitória
Fechado que está o ciclo anterior e depois de um limbo em que deu para pensar em tudo, é altura de olhar para o presente e futuro.
Apesar do nome de Rui Vitória ser uma constante nas equações à volta do problema "e se mudarmos de treinador", a verdade é que na altura certa ficou no ar uma certa sensação a hesitação.
Parto do principio que o plano do Presidente seria mesmo começar um novo ciclo com uma equipa técnica moldada aos objectivos do futebol encarnado, gastar menos, aproveitar mais o trabalho da formação e um novo perfil no banco. Para este novo rumo o nome de Rui Vitória há muito que é citado na Luz.
A outra ideia tinha a ver com o futuro do nosso ex-treinador. Uma saída airosa para fora de Portugal a ganhar muito mais e onde não pudesse ser um fantasma omnipresente num rival. Foi essa decisão que terá perturbado mais a sua sucessão.
De repente, Marco Silva parecia uma óptima resposta à situação. Ou então tentar algo quase impossível como convencer um nome como Klopp a vir para a Luz.
Pela minha cabeça passou um pouco de tudo.
Um estrangeiro? Mas qual?
Um regresso? Mas de quem?
Vítor Pereira seria uma aposta segura?
Marco Silva? Não seria dar muita importância ao "golpe"?
E que tal Rui Vitória?
Alguns dias de delírio que penso ter sido extensível aos caros leitores e até a quem rodeia quem tem poder de decisão na SAD benfiquista.
Convenhamos que não havia a solução ideal. Seria sempre um risco, seria sempre uma aposta pessoal.
Um dia perguntei ao nosso ex-treinador, já antevendo este desfecho, qual seria o nome que ele indicaria para o suceder no banco do Benfica caso tivesse que o fazer antes de ir embora. Estrangeiro: não há. Português: não há. Foram as respostas após animado diálogo.
Sem uma resposta convicta para dar a quem me pedia opinião, virei-me para o pensamento mais racional e justo que podia ter nesta altura. O que o Presidente decidir terá o meu apoio. Devo-lhe isso. As últimas duas vezes que Vieira teve que decidir quem ficaria à frente do futebol do Benfica decidiu pela cabeça dele, sozinho, convicto, surpreendentemente determinado e correu bem. Se ele acha que estava na altura de mudar e até já tinha um rosto pensado para seguir em frente, então vamos confiar.
A verdade é que não nos sobram muitas alternativas a não ser acreditar e apoiar quem chega.
Da minha parte, continuo a ser sincero quando afirmo que o entusiasmo com a chegada de Rui Vitória à Luz é igual ao que mostrei na chegada do anterior treinador. Pouco ou nenhum. Mas estou preparado para me motivar e ver as expectativas subirem assim que a bola começar a rolar.
Até lá, lamento, mas volto a 2009.
Volto ao ponto de partida mas com uma enorme vantagem, é que agora o contexto à volta do novo treinador é completamente oposto ao que se vivia na altura.
Um treinador novo a chegar a um Benfica com a moral de rastos, com os adeptos habituados a exibições medíocres, com resultados irregulares, com um plantel desequilibrado e mal aproveitado e com os sócios todos desconfiados, precisa de ser um homem de ruptura, de convicções muito fortes e começar a dar tudo para ganhar logo na pré época para iniciar a mudança de estado de espírito geral.
Um treinador novo a chegar a um Benfica Bicampeão, com a moral elevadíssima, com os adeptos habituados a ganhar, a exigirem um futebol decente, com um plantel organizado e com os seus jogadores em alta, só precisa de aproveitar o momento, desenvolver as suas ideias aproveitando o que de bom está feito, gerir bem as inevitáveis saídas de jogadores mais valiosos com apostas de qualidade e manter o nível. Será que Rui Vitória tem esta capacidade? Parece-me que sim. É uma tarefa bem mais simpática do que chegar cá e ter de começar tudo do zero.
A famosa estrutura
Mas a maior vantagem que a equipa técnica de Rui Vitória vai ter no Benfica é, precisamente, a organização que vai encontrar à volta do futebol. Algo que tem sido construído, desenvolvido e aperfeiçoado nos últimos anos. O futebol do Benfica cresceu muito e não foi só dentro de campo. Fora dele soube acompanhar o salto qualitativo e aos poucos foi se organizando de forma superior. Nos últimos tempo habituámo-nos a ouvir elogios à estrutura do futebol mas nem ligámos porque o que queremos é a bola no fundo da baliza.
Agora que fomos obrigados a parar e a olhar à volta assistimos pasmados com o ataque total que o clube rival fez a todos os sectores da organização do nosso futebol. Foi a melhor notícia que podíamos ter. Todos.
O assédio a elementos de Scouting, o assédio a Lourenço Coelho, o assédio aos elementos da equipa técnica que não saíram com Jorge Jesus, o assédio a responsáveis do Lab, isto tudo junto só nos pode descansar. É a maior prova que temos um futebol profissional superiormente organizado e dotado dos melhores profissionais. O facto de TODOS terem recusado o convite milionário dos verdes deixa-nos orgulhosos, agradecidos e confiantes. Rui Vitória começa a ter vantagem logo aqui. Só tem que saber integrar-se nesta organização, deixar cada um fazer o seu trabalho e tirar o máximo possível de cada área.
Foi um alívio ouvir o novo treinador dizer que só se fosse tolinho é que não ia aproveitar o bom trabalho que já está feito. Sinal de inteligência. Vitória "só" tem que desenvolver as suas ideias em harmonia com quem já está no clube a fazer um trabalho vencedor.
Olhamos para a nova equipa técnica e identificamos Arnaldo Teixeira, Sérgio Botelho, como adjuntos. Há um novo preparador físico, Paulo Mourão que irá ter um papel muito importante. Dos trabalhos anteriores nunca lhe vi ser apontada incompetência.
Juntam-se Minervino Pietra, o Grande, Hugo Oliveira, o treinador de guarda-redes que é reconhecidamente do melhor que temos em Portugal. Curiosamente, houve relatos de conflito com anterior equipa técnica e a Direcção do Benfica sempre teve o bom senso de manter o Hugo. Uma mais valia.
Finalmente, Marco Pedroso, o observador que o ex-treinador fazia questão de levar para o rival. Também o Marco preferiu ficar. Os novos elementos já sabem que têm a fidelidade de quem já cá estava mesmo antes de começarem a trabalhar. O senhor Sheu Han abençoará a nova equipa técnica com o seu benfiquismo de valor inestimável.
O Plantel
Na teoria há todas as condições para se dar continuidade a um bom trabalho no nosso futebol.
Olhando para o plantel também não parece haver razões para alarmismos.
Se Rui Vitória quiser fazer hoje um "11" para ganhar, não terá dificuldade em escalar uma equipa deste género:
Júlio César, Maxi, Luisão, Jardel e Eliseu, Samaris e Pizzi, Gaitán e Talisca, Jonas e Lima.
Agora, temos que ir cortando a direito.
Maxi renova? Não sabemos. Nem temos culpa que prefira deixar nas mãos de um empresário duvidoso o seu destino.
Gaitán é vendido? Inevitavelmente.
Talisca está de saída? Se tivermos sorte sim e por uma fortuna.
Lima ficará? Depende da proposta.
Mas entretanto já chegaram Carcela, que joga na ala, e Taarabt, que também pode jogar nos flancos embora seja melhor no meio do campo.
Ou seja, Vitória tem aqui matéria para se entreter e até divertir ( porque não? ) sem nunca ter de entrar em pânico. Uma equipa que começa por Júlio César, Jardel e Luisão, que passa no meio campo por opções como Fejsa ou Samaris e termina em Jonas, é uma base de luxo para qualquer treinador, certo?
Rui Vitória só terá de aproveitar da melhor maneira, arranjar o melhor sistema e a melhor táctica, embora agora os treinadores não gostem de falar destas coisas básicas e preferirem levar tudo para o mundo obscuro das filosofias de jogo e outras ciências. Para mim continua a ser uma boa táctica e um sistema de jogo correcto mas eles é que sabem.
Por causa da saída dos jogadores mais valiosos pode haver problemas? Claro que sim.
Mas até nisto estou mais optimista do que estava há um mês . O facto da mudança de clube do ex-treinador ter mexido numa ponta delicada chamada Jorge Mendes veio abrir um horizonte mais risonho para o nosso lado.
O Super Agente já manifestou vontade de mostrar de que lado fica nesta guerra aberta por Bruno de Carvalho. E eu nestas coisas prefiro estar do lado de Mendes. Fico confiante que as contratações serão de grande qualidade. Rui Vitória deve sorrir com este cenário. Foi uma das boas consequencias desta novela.
O Apoio
Portanto, com o apoio incondicional da Direcção liderada pelo homem que confiou nele, Rui Vitória pode contar com uma equipa técnica competente e com todas as áreas ligadas ao futebol cheias de profissionais de top. Pode confiar em jogadores de qualidade que já cá estão, pode esperar a chegada de outros com selo de qualidade do empresário mais cotado a nível mundial.
Sobra o trabalho de escolher os jovens a integrar na equipa principal e aqueles que poderá vir a chamar ao longo da época. Também não me parece que tenha de inventar muito nesta área, os jogadores mais promissores estão todos identificados.
Quanto ao povo, na sua apresentação já ouviu alguns benfiquistas gritarem o seu nome. Nada mau para entrar. As reacções são positivas. Ninguém está eufórico, ninguém está deprimido.
Terá que fazer o trabalho mais complicado que é o de criar uma onda de entusiasmo à volta do seu trabalho. Mas isso é exactamente o seu trabalho. Já muitos tentaram, poucos conseguiram. Vitória terá que ser capaz de entrar no restrito lote de treinadores que o Terceiro Anel acarinha desde o começo. É a parte mais complicada porque não depende da simpatia do treinador. Não acontece por o treinador falar bom português, vestir bem, ter um discurso agradável ou brilhar perante a comunicação social. Isso pode ajudar mas o que importa é se a bola entra ou não. Ontem, hoje e sempre.
Pessoalmente
Da minha parte, repito, o entusiasmo nesta altura é zero. Depois da viagem em montanha russa que foram os últimos seis anos, saí de lá como Bicampeão, com uma Supertaça ganha no primeiro jogo da última época que fechou com a conquista da Taça da Liga. A herança é pesada mas é bem mais agradável do que um fardo de derrotas.
O entusiasmo é zero mas a tranquilidade é absoluta. Confio nos que ficaram e tenho esperança nos que chegam. Estou preparado para começar a viagem e ir subindo a moral.
Para tirar qualquer tipo de pressão a Rui Vitória até lhe digo que me lembro do seu último jogo, espero não me estar a enganar, de águia ao peito. O Benfica também tinha acabado de ser campeão e fui a Odivelas ver a partida final do Nacional de juniores. Não acabou bem. Portanto, podemos começar por inverter isso. Já era começar logo a melhorar.
Esta também será uma vantagem que pode ser bem gerida por Vitória, ele sabe muito bem onde estávamos há 10 anos e as condições que veio agora encontrar. Não pode haver maior motivação do que esta, dar valor ao que foi sendo feito e construído.
Sei que o Rui Vitória foi de férias e que os trabalhos de campo só começam em Julho. Óptimo, também não tenho pressa nenhuma. Somos Bicampeões e estamos a viver um dos períodos da história do Benfica mais empolgantes! O Benfica está mais Glorioso do que nunca. Até nisso o clube está a ajudar o novo treinador.
Aquela pancada que sofremos no auge da euforia dos festejos podia ter sido traumática. Podíamos cair no ridículo de sermos super vencedores deprimidos pela partida de um treinador para o rival. O Benfica, como sempre, tratou logo de mostrar que seguimos em frente e grandes. As modalidades do clube que estavam para encerrar a temporada depois do futebol limparam tudo! É festa atrás de festa. Sendo que o auge aconteceu no futsal. A conquista do campeonato nacional de futsal acabou por ter uma carga simbólica tão grande e tão reveladora da nossa vitalidade que ajudou tudo e todos a mudarmos a página de forma mais rápida, convicta e determinada. E na cara deles. Na casa não, porque eles não têm casa para as modalidades, como sabemos.
Somos campeões em quase tudo. Estamos mais fortes do que nunca. Um clube com uma dinâmica global de vitória como nunca se viu em Portugal, é este o Benfica que recebe Rui Vitória. Querias melhor entrada, Rui? Que saibas e consigas aproveitar a oportunidade é o que te desejo porque o teu sucesso será a minha alegria.
Agora caminhemos juntos, passo a passo. Rumo ao Tri.
FOTOS: João Trindade