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Red Pass

Rumo ao 38

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Benfica 4 - 0 Marítimo: Prova de Vida

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O Benfica é uma óptima ideia que veio ao mundo há mais de cem anos. Um conceito abstracto que é abraçado por milhões de simpatizantes e que na teoria tem tudo para ser a melhor ideia de sempre. Algo que influencia a vida das pessoas, algo que passa a guiar e a influenciar quase tudo na vida daqueles que desde sempre abraçam esse ideal de ser benfiquista. O futebol do Benfica é algo de tão esmagador que passa de geração em geração, gera amor e ódio e transforma a exigência em demência. 

É tão abrangente que se tornou o objecto mais mediático do país para o bem e para o mal. É algo de tão forte que divide o universo benfiquista em vários sub géneros. Alguns transversais a todos os universos de adeptos de todos os clubes, os mais optimistas, os que só querem falar do que está bem, e o mais pessimistas, os que acham que está tudo mal e se desgastam à espera das desgraças para poderem crescer para os optimistas com o clássico "eu não disse?". Há de tudo um pouco no magnifico universo benfiquista, como em tudo na vida.

Mas  a grande tendência destes novos tempos, os tempos das opiniões sábias das redes sociais, das condenações públicas jogo a jogo a treinadores, dirigentes e jogadores, das exigências e intolerâncias, a grande tendência, dizia eu, é a de ver tudo pela negativa. Não é dramático porque é um estado de espírito que obriga o clube a andar sempre no limite, que não dá tempo nem espaço a zonas de conforto nem a adormecimentos. 

Ganhar por 1-0 é uma vergonha, por 2-1 é porque se sofre um golo, por 3-1 e com exibição pouco entusiasmante é uma vergonha, por 5-0 é porque o adversário era fraco, por 10-0 é falta de respeito e por aí fora. Todos nós já ouvimos isto, todos nós já teremos dito algo assim. 

Como disse, é bom porque obriga sempre a mais e melhor.

Mas também é imensamente triste. Também é perigosamente injusto. Acima de tudo, é estupidamente redutor e tira-nos algo que vai passando de geração em geração que é a, muito lusa, conclusão de que antigamente é que era bom. 

Um fado que transforma o passado em ouro e o presente em insuficiente. Algo que faz com que nem haja espaço para umas horas de folga, respirar fundo e concluir: porra, estou a ver o Rúben Dias a crescer em campo jogo a jogo. Que orgulho! 

Caramba, o Taarabt é mesmo um craque de mão cheio e o nosso clube está a proporcionar-lhe encher o relvado da Luz de classe. O marroquino hoje foi "só" o melhor em campo. Ninguém vai usufruir disto porque virá sempre o passado do marroquino à baila. 

Por falar em relvado, no Benfica uma simples troca de relvado é assunto de Estado! Parece resolvido. E isso é bom? Claro que não, somos o Benfica e nunca devia ter acontecido. Mesmo que se desconheça que o lendário Benfica dos anos 60, 70 e 80 raramente apresentava um relvado melhor que este. 

Por falar em Benfica de outras décadas. Em 1993 o Benfica recebia o Marítimo a 3 jornadas do final do campeonato. O Benfica tinha jogadores como Futre, João Pinto, Paneira, Veloso, Mozer, Schwarz, Paulo Sousa, Kulkov, Yuran, Rui Águas, Rui Costa e Isaías, só para dizer alguns nomes. A maioria dos nomes vem à conversa sempre que se quer denegrir a equipa actual, ou o trabalho recente. "Ah, isto nos tempos do Rui Costa, Mozer, João Pinto, Paneira, Futre..." 

Eu fui ver esse jogo com o Marítimo na Luz. Chovia muito. Apareceram no Estádio antigo, que à hora em que escrevo faz anos que foi inaugurado, pouco mais de 10 mil pessoas. O Benfica não ganhava sempre, os adeptos do Benfica não enchiam sempre a Luz, os jogadores do Benfica não jogavam sempre bem. Isto, apesar, de se dizer hoje que antigamente é que era à Benfica. 

Os números que Bruno Lage apresenta em 2019 para o campeonato nacional são estrondosos, a facilidade com que o Benfica goleia faz com que Lage já tenha mais de 100 golos marcados em cerca de 30 jogos para a Liga. O Benfica é líder e campeão em título. Podia viver em clima de festa, confiança e superioridade. Felizmente, não vive. O dia a dia à volta do clube é de uma eterna crise.

Ninguém quer ir para casa rever a exibição do Taarabt. Ninguém quer admitir que se precipitou ao condenar a contratação do Vinicius, ninguém quer dizer que o Pizzi é um dos melhores jogadores da história do Benfica, ninguém quer parar para apreciar a qualidade do Rúben Dias e a evolução do Ferro porque a ânsia de os ver errar é maior que o prazer de os ver triunfar. 

Tudo o que foi feito de bom esta noite nunca será valorizado se num futuro próximo o Benfica perder pontos da Liga, como se as coisas estivessem ligadas. Ou seja, como se um bom trabalho de uma noite ficasse à espera de validação eterna. 

 

Esta urgência há muito que extravasou para fora do jogo. Veja-se a maneira como se trata a questão das claques em Portugal. Um problema como se fosse uma podridão, como se não houvesse gente boa e de bem no meio de cada claque. É legalizar e pronto. É obrigar esse pessoal a usar um cartão para ter direitos nos estádios e está resolvido. Como se esses movimentos não tivessem uma história, não fossem movidos a paixão e dedicação, como se, como dizia o Gullit, o facto de meia dúzia de estúpidos estragar o que a maioria faz de bom desse o direito de transformar o todo num lixo. 

Muitos viram uma faixa aberta no Topo Sul do Estádio da Luz dedicada à Petra. Muitos perguntam quem é a Petra. Ninguém faz a menor ideia do que é ver e sentir uma amiga, uma companheira, uma associada exemplar na sua dedicação ao clube e ao Topo a sofrer por causa de uma doença injusta, traiçoeira e desesperante. 

Não interessa quem é a Petra, quem a conhece entende o tamanho e o significado de uma faixa a exigir Força com o reconfortante recado de Estamos Juntos. Isto é que devia fazer reflectir os imbecis e hipócritas que querem impor leis às três pancadas a grupos de associados que se manifestam da forma mais humana e solidária que a vida pode mostrar. 

Viver com saúde é um privilégio que não devia ser descurado. Devia ser aproveitado para elogiar a classe do Adel, a finalização do Vinicius, a qualidade do Pizzi, a determinação do Rúben, o incrível trabalho do Bruno Lage que desde que tomou conta da equipa só não venceu dois jogos no campeonato. A vida é demasiado curta para ser vivida em negatividade disfarçada de moralidade e exigência. 

Hoje ganhámos, aproveite-se o momento. Amanhã logo se vê. Um dia vamos todos pedir streamings daqueles tempos em que o Benfica só sabia ganhar na liga portuguesa, umas vezes a jogar bem, outras nem por isso, com resultados curtos e com goleadas, com remontadas e com nota artística. Mas nada que nunca leve ninguém no momento a dizer algo como isto: É tão bom estar na Luz a ver este Benfica. 

Uma frase que nos devia fazer reflectir, um autentico objectivo de vida, ter oportunidade familiar, financeira, social, e, acima de tudo, com saúde que nos permita estar ali ao lado da equipa do Benfica naqueles 90 minutos. 

O Benfica é maior que a vida mas só pode ser vivido enquanto estivermos a passar por cá. Todo o tempo que perdemos a antever o pior, é energia gasta. 

Grande beijinho Petra, juntos. À Benfica!