Benfica 3 - 3 Shakhtar: Frustrante
Os anos passam e esta sensação de frustração europeia é sempre igual.
Eu sou de 1973, aos 10 anos, em 1983, vivi logo uma fabulosa experiência europeia que foi ver todos os jogos do Benfica na Luz até aquela final com o Anderlecht. Em dez anos aprendi a gostar do Benfica, descobri o chamamento do Estádio da Luz, a sedução do vermelho das camisolas, o ritual da multidão a dirigir-se da Estrada de Benfica para o Estádio e as bancadas de cimento. Mas o momento que marcou esta ligação ao clube aconteceu na primeira vez que me levaram a um jogo das competições europeias à noite. Já tinha vibrado com imagens de um jogo com o Torpedo de Moscovo mas conhecer as famosas noites europeias da Luz foi o clique que faltava para transformar uma simpatia em paixão. A força brutal daquelas torres de iluminação, a atracção pelo desconhecido à volta dos nossos adversários, o peso da responsabilidade de representar o nosso país num compromisso europeu e, o mais forte, o desafio do Benfica tentar recuperar o brilhantismo que popularizou o clube nos anos 60. As primeiras experiências na Luz em noites europeias foram fascinantes por tudo o que rodeava o jogo. Só tive a real consciência do peso futebolístico destas noites em 1981. Já tinha visto alguns jogos mas foi nessa eliminatória com o Fortuna Dusseldorf que me apercebi de toda a responsabilidade que envolve estas noites. O jogo esteve 0-0 até perto do fim e toda a gente à minha volta estava contente. Eu não estava a perceber porque é que um empate animava aquela plateia sempre tão resmungona e exigente. Com calma lá me explicaram que na Alemanha o jogo ficou 2-2 e que existia a regra do golo fora de casa. Mesmo perto do fim, Chalana faz o 1-0 e resolve definitivamente a questão. Fiquei fascinado com aquelas contas e regras. Tenho a certeza que foi naquele momento que a minha devoção pelo futebol subiu de nível.
Nesta altura já tinha muitos jogos vistos para as provas internas, muitas tardes na Luz e até alguns jogos da Selecção, o golo do Jordão à URSS incluído. Faço este enquadramento para sublinhar que os momentos mais altos enquanto adepto que estava a descobrir o futebol ao vivo eram mesmo as noites europeias.
Seguindo este raciocínio, destaco ainda a meia final de 1981, a seguir ao Dusseldorf. A vitória mais amarga daquela altura, o 1-0 ao Carl Zeiss Jena. Fiquei admirado com a ovação com que a Luz se despediu da equipa reconhecendo o esforço. É que isto não era coisa pouca, estamos a falar de uma plateia que na sua maioria viveu as noites mágicas dos anos 60.
Isto faz toda a diferença. Reparem que durante a épica caminhada da final da Taça UEFA de 1983 tirei um mestrado naquelas bancadas. Enquanto eu vibrava com a vitória contra o Betis, os mais velhos explicavam que aquele golo da equipa de Sevilha nos tinha matado. Ganhámos lá 1-2. Ao Lokeren ganhámos 2-0, não sofremos golos portanto tinha sido bom. Nada disso, a saída do estádio foi penosa com a multidão a reclamar de um resultado curto contra uma equipa que nem nome tinha para andar ali. Vencemos na Bélgica.
O Benfica - Zurique jogou-se à tarde. Chateou-me aquilo de parecer um jogo banal de campeonato. Demos 4-0 depois de trazer um empate 1-1 da Suíça. Mas sem holofotes ligados não foi a mesma coisa. Seguiu-se a Roma. Uma vitória épica em Itália deixou a Luz em euforia na 2ª mão. O Benfica esteve sempre a ganhar mas Falcão empatou na parte final. Passou o Benfica e o Estádio da Luz aprovou. Finalmente, senti a plateia da Luz convencida. Meias finais com a Universidade Craiova. Noite de nervos e 0-0 no final. Fiquei triste com o nulo mas a voz da experiência dos mais velhos lembrou-me que não era mau de todo, tínhamos de marcar na Roménia para ir à final. Marcámos mesmo. Filipovic empatou aos 53' e a tal regra do golo fora funcionou.
Final a duas mãos. Não tenho memória do jogo da primeira mão porque não foi transmitido! No resumo fiquei chocado com o falhanço do Diamantino e a expulsão do Zé Luís. Não dramatizei.
Aquilo que vivi no dia 18 de Maio de 1983 marcou o meu benfiquismo para sempre. Fui para a escola primária com uma bandeira enrolada e um recado da minha mãe a autorizar a minha ida para a Luz a meio da tarde. Fui com o pai dela. O último jogo do meu avô no Estádio. Foi como um passar de testemunho. A desilusão do meu avô no final mostrava que a herança ia ser pesada.
Cresci a ouvir os feitos do Benfica dos anos 60, das noites inesquecíveis na Luz, das finais da Taça dos Campeões e, acima de tudo, das duas conquistadas. Quanto mais via jogos europeus do Benfica, mais tinha a sensação que não ia ter o privilégio de ver o Benfica europeu à altura do... Benfica.
Podem acreditar que todos os anos sempre que o Benfica termina a sua prestação europeia eu não me esqueço desse dia. O Liverpool em dois anos seguidos, o Dukla, o Bordéus e por aí fora. São sempre noites amargas. Sempre me fez impressão o pessoal que reagia com naturalidade às eliminações.
De repente, em 1988 tudo volta a fazer sentido. Nova caminhada épica até uma final europeia. Cinco anos depois da Taça UEFA lá estávamos nós numa final. Desilusão. Começar tudo de novo para cair aos pé do... Liége. Do Liége!
No ano a seguir lá estávamos nós no auge da montanha russa uefeira. Derrota em Viena. Recomeçar tudo de novo. Apanhar a Roma na ronda 1 da Taça UEFA. Eliminados! Acho que nunca tinha vivido um afastamento europeu logo na primeira noite na Luz. Encarei aquilo como uma anormalidade. Talvez o momento mais baixo. Eu estava habituado a apontar para as finais, não para sair em Outubro. Tão ingénuo. Mal sabia eu que ainda ia ver o Bastia, por exemplo. Ou horrores como o Celta. Ou, pior ainda, estar dois anos sem Europa na Luz. Aconteceu. Doeu. Sem a magia das noites europeias não fazia sentido o futebol do Benfica.
Felizmente, voltámos à ribalta. Com noites memoráveis como Liverpool ou Manchester United pelo meio. Voltámos a duas finais europeias. Na hora da desilusão a perspectiva já era outra. Trinta anos depois do Anderlecht na Luz, vivi as derrotas com outra experiência. Lembrei-me dos anos que ficámos de fora. O jogo com o Sevilha acaba e o que me passa pela cabeça? Que mais valia ter caído cedo e não tinha de sentir aquela dor. Um ano antes ainda tinha doído mais. Mas depois nas viagens de volta lá me lembrava das noites mal dormidas a seguir ao Carl Zeiss, Dukla, Liége ou Bastia. É claro que se for para cair que seja na final. A nossa vida precisa de vitórias europeias. É a nossa herança. Quem não entender a necessidade do Benfica evoluir na Europa não entende o que é o Benfica.
Serve tudo isto para dizer que hoje é mais uma daquelas noites. São quase 40 anos a conviver com esta ilusão europeia herdada no final dos anos 70 e alimentada por já ter estado tão perto de concretizar o sonho por cinco vezes. Arredondando, já são cerca de 40 noites de frustração. Quase 40 clubes, são menos porque alguns já repetiram a traição, que nos interromperam a viagem. É muita noite de desilusão. Mais vale sair à primeira? Nem pensar. Mais vale nem lá ir? Já aconteceu e não pode voltar a acontecer.
É para ir sempre o mais longe possível.
Nesta eliminatória, o Benfica esteve em vantagem várias vezes. Na Ucrânia quando fez o 1-1 já estava na frente. Sofreu golo logo a seguir. Na Luz houve cheiro a noite europeia a sério. Boa entrada na partida e 1-0 que deixava o Benfica em zona de apuramento. Ataque do Shakhtar e golo. Reage o Benfica, depois do belo golo de Pizzi, um pontapé de canto e grande cabeçada de Rúben Dias. Tudo igualado. Na 2ª parte, boa atitude do Benfica. Pressão alta, roubo de bola na área adversária, passe para trás e grande golo de Rafa. 3-1, resultado certo para avançar na Liga Europa. Mas, mais uma vez, o Shakhtar vai atrás do apuramento e reduziu. Com 3-2, o Benfica ficava a um golo da passagem. A Luz acreditou, a equipa queria mas quando o clube da Ucrânia faz o 3-3 acabou-se a ilusão. Mais uma vez.
A lição que trago daquela noite de 1981 com o Carl Zeiss mantém-se até hoje, quando sinto que a equipa deu tudo e nos fez acreditar no passo seguinte, aplaudo. A sensação de frustração está lá, como sempre, mas tem de haver reconhecimento. O Benfica fez três bonitos golos, quis seguir em frente. O Shakhtar mostrou argumentos fortes na resposta. Mereceu o apuramento.
Pensei que isto era simples de perceber.
Só que quando soou o apito final olhei para as bancadas centrais da Luz, já meio despidas, e fiquei incrédulo com uns quantos adeptos a acenarem com lenços(?) brancos! A equipa a despedir-se das noites europeias agradecendo a presença e apoio do público e metade a assobiar e a outra a aplaudir. A equipa divide-se e metade vai ao Topo Sul aplaudir, enquanto ouve um motivador "Nós Só Queremos o Benfica Campeão", ao som de "Yellow Submarine", e a outra metade já ia no túnel.
Que final de noite foi este?
O pessoal dos assobios e dos lenços brancos quer o quê? Despedir Bruno Lage em Fevereiro, é isso? E sugerem que treinador para o jogo com o Moreirense? O Renato Paiva? Para daqui a um ano exibirem outra vez os lenços? Ou estão a pensar no Jorge Jesus que em 2013 insultavam aos 90 minutos do jogo com o Gil Vicente?
Que é isto?
Que mal fez hoje o Lage? Manteve a defesa. Na ausência de Samaris chamou Weigl e Adel, deu os corredores laterais a Rafa e Pizzi, escolheu Chiquinho para estar mais perto do estreante Dyego Sousa. É um onze assim tão polémico e sem nexo?!
Ter a eliminatória na mão com 3-1 e sofrer dois golos é frustrante e, até revoltante. Sem dúvida. Mas é motivo para uma assobiadela ou para lenços brancos? Eu acho que não. Acho que é tão parvo como dizer que o Benfica não deve dar importância às competições europeias.
Não há ninguém que possa dizer que sente mais estas noites europeias. Mas transformar isso em exigência de despedimento do treinador não me parece lógico.
Segunda feira há um jogo com o Moreirense para ganhar e defender o primeiro lugar no campeonato. Perturba-me pensar que há consócios que a esta hora além da falta de sono por mais um sonho interrompido achem que esta frustração se resolve com o despedimento de Lage. É assustador.
O Benfica esteve interessado em Bruno Guimarães. O brasileiro seguiu para o Lyon. Esta semana foi o melhor em campo contra a Juventus. Acho que é mais por aqui que devemos reflectir do que sugerir a saída do treinador.
Penso que não é preciso andar há 40 anos a ser eliminado anualmente, com dois anos de ausência, para saber reconhecer quando a equipa faz tudo para seguir em frente mas mesmo assim é derrotada por um adversário que foi melhor.
Se a velha guarda que viveu os gloriosos anos 60 soube perceber isso em 1981 naquela meia final da saudosa Taça das Taças, este pessoal que foi hoje à Luz também devia conseguir.