Agora a Visão de Um Simples Adepto de Futebol
Não sei se há alguém com interesse e paciência para ler opiniões mais realistas e empíricas sobre a violência à volta do futebol. Provavelmente, não há. Já todos postaram coisas bonitas no facebook sobre a família agredida, já se condenaram adeptos e cidadãos em espaços de comentadores famosos, credíveis e bem pagos em todos os meios de comunicação social, já se resolveu tudo entre bons e maus mas ninguém parece interessado em ouvir quem convive com isto toda a temporada há muitos anos.
Vou fazer a minha parte.
Estive em Guimarães e não fui ao Marquês de Pombal. Vou separar isto em partes diferentes.
Guimarães
Já fui ver futebol ao Estádio D. Afonso Henriques várias vezes. Sei perfeitamente como actuam as forças policiais por lá e sei, igualmente, qual é o ambiente adverso que os locais criam a quem lá ousa ir.
Na temporada em que desceram de divisão, o Vitória ganhou o jogo numa noite invernosa de chuva e frio. Na saída do estádio foi um arraial de pancadaria entre adeptos acabados de sair da bancada visitante e adeptos do vitória. Fui apanhado no meio da confusão. Não vi um único polícia até sair de lá. Não li, nem vi, uma única notícia sobre os incidentes.
Na temporada em que Ramires fez o golo da vitória no fim do jogo ficámos fechados dentro do estádio uma hora e meia. Nós e uma alargado número de elementos do Corpo de Intervenção da PSP. A espera terminou, inevitavelmente, com uma carga policial vergonhosa sobre os adeptos cada vez mais impacientes e fartos de ali estar. Levámos todos. Mulheres, crianças, grandes e pequenos. Não estava lá a CM TV, foi pena.
Este ano o contexto era especial. A possibilidade de celebrar lá o titulo atraiu ainda mais benfiquistas do que é costume. Até ao dia do jogo não vi em lado nenhum uma posição forte da PSP local a garantir a segurança de todos. Dizerem que nos esperam ao pé do estádio num posto da PSP onde não cabem, evidentemente, todos os carros vindos de Lisboa não é convincente.
O primeiro factor que desestabilizou e irritou muito as forças policiais presentes em Guimarães, foi perceberem que umas largas centenas de adeptos resolveram estacionar os veículos depois de uma saída de Auto Estrada e arrancaram juntos a pé em direcção ao estádio atravessando a cidade de forma inesperada.
Também os media ficaram perdidos. Vi depois reportagens que em directo diziam que estavam a chegar 150 adeptos de Lisboa sem bilhete enquanto tentavam filmar. Não eram 150. Tinham todos bilhete. Qualidade jornalistica.
Havia agentes à porta do estádio a perguntarem-me de onde tínhamos vindo. Como se esse não fosse o trabalho da PSP que tem um departamento especializado em acompanhar adeptos de clubes de futebol e que também estavam baralhados. Tudo começou aqui.
Com a conquista do título garantida e a explosão festiva na bancada, era normal que houvesse coordenação e bom senso para lidar com a situação. A decisão das autoridades foi retirar todos os agentes da bancada, os spotters ficaram a ver do relvado. Fecharam-nos na bancada sem dar uma única justificação nem uma previsão de saída. Nos bares não vendiam garrafas de água porque só tinha de litro e meio. E se fazia calor naquela bancada... Optaram por vender copos de plástico com água, que nem sabiamos se era engarrafada, por um euro.
Obviamente, a coisa descambou. O pessoal dos bares ao perceber que não tinham policiamento fugiu, e foi o que se viu.
Curiosamente, vi malta a sair de malas com rodinhas e achei estranho mas pensei que eram fotógrafos. Vi malta com bolas debaixo do braço mas admiti que pudessem ter sido lançadas para a bancada. Depois vi o tal vídeo com o pessoal a aviar-se e fiquei perplexo. Vou vos dar uma novidade, aquilo não é malta das claques. Aquilo é daquele pessoal que vai ao Rock in Rio, paga bem pelo bilhete mas vem para casa cheio de brindes.
Por falar em bilhetes e pagar bem, como é que as autoridades e a organização de jogo explicam o facto de terem vendido bilhetes a 30 e 40 euros aos adeptos do Benfica para depois os meterem exactamente na mesma zona do estádio onde se pagava menos?! Isto faz sentido ?
Depois de mais de uma hora de espera lá abriram umas portas. Não todas, para que os adeptos tivessem que andar a subir e descer escadas até sair. Tudo muito digno.
Assim que saí do estádio encontro pessoas revoltadas a mostrarem um vídeo com imagens da agressão a avô e pai, com o neto a ver. Tinha acabado de acontecer. Aumenta o sentimento de indignação e tensão logo ali à porta do estádio.
O regresso para as viaturas foi ainda mais tranquilo do que a chegada. Nem um polícia vi até ir embora. Era caso para perguntar, onde param as autoridades?
Posteriormente, fico a saber que os bares e alguns WC ficaram num estado miserável. Lamento mas não estranho. Estive lá e já desconfiava que não ia acabar bem.
Isto foi o que se viveu em Guimarães e o país sabe. O que não sabem, nem lhes interessa, foram os minutos de verdadeira festa que ali se viveu com tudo a cantar e a dançar. Isso fica para nós.
Marquês de Pombal
Quando iniciámos a viagem do Minho para Lisboa o objectivo era ir ao Marquês beber uma cerveja e brindar com amigos e até familiares que já lá estavam. A meio do caminho percebemos que nem valia a pena andar mais depressa porque a festa estava estragada.
Ouvi os relatos na TSF que eram factuais e li o que se ia dizendo nas televisões. Por exemplo, na SIC Notícias eram só iluminados a fazer juízos de valor dos cidadãos que foram festejar.
Adoro que a opinião pública seja formada por pessoas que não fazem a menor ideia do que é a vida de adepto. É tudo muito fácil de julgar.
O pessoal mal afamado das chamadas claques do Benfica estavam quase todos em viagem, portanto, no Marquês vão ter de arranjar outros culpados. O facto de, posteriormente, ter vindo a público que adeptos do Sporting andaram nas redes sociais a assumir que foram estragar a festa, o facto de se ficar a saber que a PSP não deu um parecer favorável à festa, também dá que pensar. Se as autoridades vão para uma festa que não aprovam, se calhar não vão com a melhor das motivações...
Eu só estive no Marquês duas vezes a festejar e uma terceira de passagem. Festejei em 2010 e no ano passado, e passei por lá em 2004 quando ganhámos uma Taça de Portugal ao Porto do Mourinho.
Dizer que correu tudo bem é mesmo vontade de colorir com o tradicional "ou está bem ou está mal". Não há meio termo. E quem lá esteve sabe que há meio termo.
Nos outros anos também vi vários grupos a tentarem aproveitar o ajuntamento da multidão para roubar, também vi confrontos entre várias pessoas, também vi momentos de tensão. A questão é que foram focos pontuais e não havia um contingente policial pronto a carregar. Havia policiamento quanto baste, só isso.
Este ano descambou. Talvez, também, porque a festa do Marquês tenha passado de uma festa quase espontânea para uma celebração organizada, com VIPs e tudo, a descair para uma rave.
É que se formos olhar para o resto da Europa, este tipo de celebrações com grandes multidões, normalmente, acabam em violência. Já todos vimos imagens dessas em Madrid, Barcelona, Paris, Milão, etc...
Quem teve culpa no Marquês? Não sei. Em jeito de piada até posso dizer que eu e os adeptos que costumam acompanhar o Benfica estamos ilibados.
Mas, se calhar, o facto de terem lá passado as imagens da agressão de Guimarães à família não terá ajudado a lidar bem com a presença policial no Marquês. Há muitos pontos de vistas e só uma conclusão: não se pode reduzir tudo a maus e bons.
No resto do país
Em Alvalade houve relatos de mais violência com a polícia a disparar sobre adeptos do Sporting. Não faço ideia qual a origem disto mas não dá para entender como é que se chega aos tiros. Se era para precaver confrontos com adeptos do Benfica em festa, então falharam. Vi no facebook o relato e as fotos de uma família que ia para o Aeroporto deixar um familiar rumo aos Açores e que levavam adereços do Benfica. Ao passarem perto do MacDonalds da BP junto ao estádio do Sporting foram agredidos e ficaram com o carro vandalizado. Era aqui que a polícia devia de estar.
Também na Luz houve quem ouvisse tiros de madrugada com a chegada dos adeptos que foram a Guimarães. Não há explicações.
Agradecer à família agredida
Eu ando há muitos anos atrás do meu clube por este país e no estrangeiro. Já vivi momentos de tensão em vários estádios, sendo que os que deixaram marcas foram no "meu" estádio. Já contei aqui e noutros espaços os meus "azares" com as forças policiais. Partiram-me o nariz à saída de um restaurante na Luz, ainda hoje não sei porquê, já levei bastonadas nas costas por ter fugido para o sitio errado na chegada de uma claque adversária.
Mas a minha preferida aconteceu quando tínhamos que ver os jogos em casa com os elementos do Corpo de Intervenção nas nossas costas. Surreal! Fartei-me de denunciar esta situação nas bancadas da Luz.
Hoje já não acontece mas durante um tempo era assim. Tanto que num derby, quando ia a festejar um golo nosso, esse momento supremo na vida de um benfiquista, ao virar-me para trás fui contra um agente que estava colado a mim porque acho que devia também ver o jogo. Como o meu gesto foi o mesmo de muitos adeptos, houve carga policial porque estávamos a ... festejar.
Isto está documentado e denunciado. Nunca aconteceu nada. Pena não termos lá a CM TV na altura.
Por tudo isto, deixo o meu agradecimento à família de Guimarães. Deu para chamar a atenção do país. É que aquilo que se viu ali acontece todas as semanas com muita gente. Brancos, pretos, asiáticos, ciganos, católicos ou muçulmanos, não interessa porque todos somos reduzidos a adeptos de futebol, que neste país é igual a carta branca para agressões.
Entretanto, a Ministra Administração Interna, Anabela Miranda Rodrigues, já se demitiu só de ver as imagens da agressão ao pai e avô em Guimarães. Ah, não? Deve ter sido por falta de oportunidade. Ah, abriu inquéritos? Então está tudo bem.
No domingo sábado há jogo da festa na Luz. Aqui recordo que no inicio da década de 80 fui à Luz ver o último jogo do campeonato contra o Vitória de Setúbal. Ganhámos 5-1 e fomos campeões. Havia uma tensão social com as autoridades no ar. No fim do jogo a tradicional invasão de campo foi o pretexto para um festival de violência entre polícia e adeptos inesquecível. Só para avisar que isto já era assim há 30 anos.
Depois também haverá multidões no Jamor, na Praça do Município e em Coimbra para a final da Taça da Liga. Se a ministra não se demite até lá é por que está tudo bem e vai correr tudo bem, porque o mal deste país está identificado, são os malandros dos doentes da bola que só gostam de violência.
Para terminar deixo uma dúvida no ar. Até quando vamos viver esta hipocrisia de termos os clubes e a imprensa a usarem e abusarem de imagens e fotografias de multidões em festa com tochas no ar a arder e potes de fumo acesos. São as imagens mais apreciadas e usadas dos festejos nas bancadas e no marquês. Capas de jornais, posters, aberturas de telejornais, aproveitamento comercial e publicitário de enormes e épicas tochadas. Tudo certo. Mas sabem que a lei prevê pesadas sanções a quem acender uma tocha na via pública?
Qual é o limite entre divulgação e recriminação? É que se eu for apanhado com uma tocha, acesa ou guardada, vou ser punido. Mas se não for apanhado estou só a contribuir para uma colorida festa que tanto agrada a quem dela se aproveita. Que hipocrisia incrível, não é? Mas é assim que vivemos.
Vendo bem as coisas, fica o convite à CM TV: venham connosco sempre que é da maneira que o país percebe que afinal isto não é só criminosos.
Este artigo não dispensa a leitura de uma opinião bem menos pessoal e muito mais objectiva: Sobre a «violência no futebol»