O futebol é muito pródigo em criar tradições, cultos, fantasmas e universos próprios entre clubes. O historial de confrontos entre o Benfica e Clube de Futebol "Os Belenenses" dava para um livro. Histórias de jogos para o campeonato ou para a Taça de Portugal que atravessam décadas no futebol português. É um derby muito rico em episódios marcados por jogadores que vestiram as duas camisolas e transformou-se num clássico do nosso futebol. Infelizmente, essa história foi interrompida há uns anos e deu lugar a um novo ciclo. Agora é um derby sem grande passado e já não é um clássico porque estamos a falar de outro clube. Ou de um projecto que ninguém sabe ao certo como se chama, B SAD, Codecity, Belenenses SAD. No lugar da cruz de Cristo aparece um logo feito à pressa, não tem estádio, não tem adeptos, enfim, é uma SAD a competir no maior campeonato do país. Mas como escrevi ao abrir o texto, o futebol é muito pródigo em criar tradições, cultos, fantasmas e universos próprios entre clubes. Muito pródigo e muito rápido. Tão rápido que os jogos desta época com o Belenenses SAD, chamemos-lhe assim, levantam maus pensamentos. Na primeira volta, no Jamor, 18 mil benfiquistas foram apoiar a equipa mas desconfiados da derrota da época passada. Uma noite negra de chuva intensa, com arbitragem de Soares Dias e uma derrota amarga. O triunfo deste ano serenou os adeptos e tirou uma certa carga negativa que os jogos contra este projecto acarretam.
Para o primeiro jogo da 2ª volta da Liga NOS na Luz, temos o Belenenses SAD. O Benfica vinha de uma vitória na Mata Real, com um balanço incrível de vitórias e golos marcados e o pensamento de muitos já na próxima saída ao Porto. Muito optimismo antes do jogo mas à medida que se aproxima a hora de começar novos pensamentos afectam o tal optimismo. Na época passada, depois da vitória mais épica de Bruno Lage, 1-2 no Dragão, a curta almofada de conforto trazida do norte desapareceu logo com um incrível empate com o Belenenses SAD a quem o Benfica não venceu nenhum jogo.
Na primeira volta o enguiço foi quebrado mas esta ironia de voltarmos a defrontar a mesma equipa tão perto da visita ao Dragão podia agitar fantasmas?
A resposta veio precisamente depois do 2-0. O Benfica na primeira parte parecia ter construído o suficiente para voltar a ter uma noite tranquila, como teve em Paços de Ferreira. O treinador deu o sinal mais importante ao resto da equipa ao não abdicar de André Almeida no onze, mesmo sabendo que um cartão amarelo o tirava do clássico da próxima jornada. O sinal foi claro, o jogo que interessava era este e ninguém queria facilitar. Bruno Lage lançou Adel Taarabt no lugar de Gabriel, única mudança na equipa, à procura de mais criatividade no meio campo e imprevisibilidade para contornar a linha de cinco defesas que Petit preparou, um esquema que tem dado dores de cabeça a Bruno Lage na abordagem dos jogos no último ano.
Aposta mais do que ganha, o marroquino abriu o livro e foi o melhor em campo. Fez uma jogada genial a driblar todos os que lhe apareceram pela frente em metade do campo, uma jogada que acabou por dar golo graças à insistência de Vinicius. Tudo épico, as fintas de Adel, o passe para Cervi, a cabeça à trave de Vinicius que acabou por ser uma "auto assistência" para o seu golo. Momentos que já justificavam a ida ao estádio para mais de 45 mil adeptos.
Pelo meio e justo destacar a importância de Odysseas que negou o golo ao Belenenses SAD, em especial numa defesa soberba a um livre directo na primeira parte.
Um Belenenses SAD motivado pela vitória na última jornada, atrevido, determinado a pressionar alto e a arriscar desafiar o Benfica na Luz, uma boa imagem deixada por Petit.
O Benfica descansou com o 2-0 e na 2ª parte pareceu querer controlar o jogo sem grandes riscos desde muito cedo. O 3-0 tardou em aparecer e os tais fantasmas apareciam na Luz. Comentava-se nas bancadas que ainda podia acontecer o drama do ano passado e os jogadores pareciam demasiado ansiosos com a bola.
Sem grande explicação lógica, o jogo cai de repente num carrossel de lances imprevisíveis e emoções descontroladas. Licá faz mesmo o 2-1 e toda a gente pensou no desfecho da última época. As bancadas inquietaram-se e começaram a passar o nervosismo para o relvado de forma irresponsável. André Almeida, Ruben Dias e até Bruno Lage pediam calma e apoio ao Estádio da Luz. A equipa reagiu e lá apareceu mais um golpe de génio. Ruben passou para Vinicius que num toque de calcanhar simples e vistoso isolou Chiquinho que contornou o guarda redes e fez o primeiro golo na Liga pelo Benfica. O festejo foi simbólico, sentou-se no relvado e estado zen, como que pedindo tranquilidade no ambiente da Luz.
Depois do golo de Taarabt, o golo de Chiquinho a acabarem com o mito de não conseguirem marcar pelo clube no campeonato.
Estávamos a pouco mais de 10 minutos do final do jogo e o 3-1 parecia acalmar os nervos. Mas seis minutos depois Rafa acaba por fazer penalti sobre Varela e permite que Licá reduza para 3-2.
Com cerca de 10 minutos para jogar, o Estádio da Luz virou um lugar de loucos. Na minha tentativa de me acalmar, fixei o olhar na bancada por trás do banco do Benfica enquanto ia alternando com a visão do jogo. O momento é tão rico graficamente que acabei por me rir sozinho. Riso de nervosismo, claro, mas só dava para rir.
Então, tínhamos sócios de pé a refilar e a dar indicações à equipa, adeptos a assobiar, outros em silencio a sofrerem com as memórias do empate de há um ano, e, pasme-se, muitos benfiquistas completamente indiferentes ao desfecho da partida e a virarem costas ao relvado para saírem do estádio como se estivéssemos a golear ou o jogo tivesse terminado. A sério, como é que conseguem. É que não foram poucos, olhem para as várias saídas do estádio e estavam dezenas neste ritual. Quero pensar que é malta com problemas cardíacos e que se recusa a ficar até ao fim por problemas de saúde... Este recinto, às vezes, parece uma casa de loucos.
Tudo acaba bem quando o Benfica vence. Com muito mais dificuldade que seria de esperar depois do 2-0, com muito mais sofrimento daquele que eu acho aceitável para a minha vida mas no fim do dia respiramos fundo e concluímos: fizemos mais 5 pontos no campeonato só contra esta equipa em relação ao último campeonato. Vamos dormir com 10 pontos de avanço na liderança e agora os outros que se esforcem. Com estas duas vitórias ao Belenenses SAD acabou-se a maldição dos pontos perdidos.
Esta noite tem que ficar na memória de todos como a noite da magia de Adel.
Desejo tudo de bom ao Petit e que evite a descida, apenas e só pela estima que tenho por ele, mas espero, sinceramente, que a médio prazo esta aberração do B SAD desapareça e dê lugar a um clube a sério no escalão maior do futebol português.
Diz o GPS que são 682 quilómetros passados na estrada num só domingo para ir de casa a Paços de Ferreira ver o Benfica e regressar. É uma viagem repetida, já fui à Capital do Móvel várias vezes noutros anos e à medida que a idade avança torna-se cada vez mais complicado explicar o que nos move nestas maratonas só para ver um jogo de futebol.
Acordar cedo num domingo, pensar no local onde se almoça, chegar lá a horas, enfrentar nevoeiro denso que nos lembra outras viagens bem menos agradáveis, parar o carro ainda longe do estádio, passar pelas condições miseráveis de entrada no recinto, ficar numa bancada descoberta e sempre com ar de provisória. Nada disto parece apetecível. Mas depois, já no lugar atrás da baliza ao vislumbrar aquelas camisolas vermelhas de mangas compridas a entrarem no verde relvado do outro lado do estádio, começar a identificar os jogadores um a um, esboça-se um sorriso e pensa-se com orgulho, ora aqui está a razão para estar às 17 horas de dia 26 de Janeiro a 341 quilómetros de distancia da minha casa.
O almoço é um pretexto para nos juntarmos com outros benfiquistas, colocar as conversas e discussões em dia e, claro, comer bem. Desta vez, fomos ao Telheiro em Paços de Ferreira. Comeu-se bem mas não foi inesquecível. Lá está, valeu mais pelo convívio do que pela gastronomia.
Na bancada mais reencontros. Recordar outros tempos, outros jogos, outras histórias e o tempo passa mais depressa. De repente, já estamos na hora de começar o jogo. A mesma rapidez com que a noite cai sobre o Estádio Capital do Móvel. O cenário das casas estendidas pelo cenário verde visível para lá das bancadas deu lugar ao escuro e ao frio do norte.
Começava assim a 2ª volta do campeonato, num terreno de uma equipa que luta para não voltar para a 2ª divisão e que não perdia, nem sofria nenhum golo há quatro jogos.
O Benfica vinha de uma magnifica série de 17 triunfos seguidos fora da Luz a contar para o campeonato. Queria dar seguimento à vitória no derby e começar a segunda metade da Liga NOS da melhor maneira à procura de fazer o que tem feito sempre nos últimos anos, uma segunda metade de temporada melhor do que a primeira.
Um Benfica na máxima força sem lesões a atrapalhar. Rafa começa como titular, Chiquinho foi para o banco. O efeito de Alvalade manteve-se na exibição de Rafa. Exibição autoritária do Benfica de olhos postos na baliza do Paços e com pressa de chegar à vantagem.
Dois topos do estádio vestidos de vermelho a gritarem Benfica de um lado para o outro, uma equipa empolgada com o apoio, qualidade individual e colectiva. O Benfica a ameaçar fazer o 0-1 até que Vinicius descobre Pizzi na área e festeja-se o primeiro golo. Sentimento de alivio por ver a bola lá dentro e logo a seguir o mundo parado porque a equipa de arbitragem acha que é fora de jogo. Corrida aos telemóveis para consulta ao público do sofá. Várias respostas a dizer que é impossível ser fora de jogo. A decisão é tomada pelo árbitro, fora de jogo. Revolta na bancada. Ninguém fica convencido. Vem a explicação por sms: está adiantado 4 centímetros. QUATRO CENTÍMETROS?!? Isto é brincadeira.
Então mas a empresa que fornece a tecnologia do VAR não disse que há uma margem de erro de 5 centimentros? Andamos a anular golos por supostos 4 centímetros?
Ok, isto noutros tempos seria um duro golpe e podia trazer desconfiança à equipa e às bancadas. Mas não a este Benfica das 17 vitórias seguidas fora de casa. Começamos tudo de novo. Apoio na bancada, paciência na circulação de bola, procura dos craques que podem resolver isto e aparece Rafa, pois claro. Entrada em corrida na área, viragem à esquerda, para o lado de dentro sem fazer sinal, jogador do Paços ultrapassado e na cara do guarda redes remate certeiro com pinta de interrogação: e agora também faltam 4 centímetros ou já podemos festejar?
Rafa é que é o verdadeiro campeão de inverno, o seu regresso é um reforço notável para equipa.
Ao intervalo voltámos ao tema VAR. Então conseguiram ver os 4 centímetros e sobre uma falta sobre Rúben Dias na área não houve análise? Parece que as comunicações do VAR não funcionaram durante 22 minutos. Para nosso azar, estavam óptimas no golo anulado e inexistentes no penalti sobre o Rúben. Ai futebol português...
Era preciso fazer mais e aumentar o resultado na 2ª parte para ficarmos a salvo de surpresas indesejadas. A atacar para a nossa baliza, à semelhança do que acontece nos jogos da Luz, o Benfica pressionou e chegou mesmo ao 0-2. Desta vez, Rafa ofereceu o golo a Vinicius e em pouco tempo ficam com as contas mais equilibradas entre ofertas para golo na dupla de avançados.
Depois, foi tempo de Odysseas brilhar, já o tinha feito na 1a parte com uma grande defesa junto ao poste esquerdo e voltou a estar bem numa bola rasteira. Estamos em plena 2ª volta do campeonato e Odysseas sofreu 6 seis golos. Em 13 jogos não sofreu nenhum. Que época!
Confortáveis com o resultado e com menos bola foi possível perceber que Ferro voltou ao seu melhor. Cervi continua em alta rotação, Gabriel voltou a encher o campo e Weigl... Bem, Weigl precisa de um espaço só para si.
Quando voltamos a pensar o que nos pode ainda motivar para ir ver jogos destes ao vivo temos que juntar à lista esta opção: ver Julian Weigl ao vivo.
Tive a felicidade de ver os quatro jogos de Weigl nos estádios e vou afirmar isto sem hesitar: o alemão é um jogador de se ver na bancada. Não é jogador de televisão nem resumos. Tem que ser visto ao vivo. Não é pelos 90% de acerto de passes, é pelo posicionamento, pelo equilíbrio que dá com e sem bola, é pela leitura de jogo e por vê-lo a quebrar linhas de passe imaginárias em série. Foi o melhor em campo, é um reforço brutal para o futebol do Benfica. E depois tem aquele sorriso desarmante na hora de festejar o segundo golo a olhar para a nossa bancada.
O tempo passa, o Benfica está a ganhar, está confortável no jogo, entram Adel e Seferovic e sente-se que vem aí mais golo. Só não aconteceu porque o suíço resolveu homenagear Bryan Ruiz em vez de ter feito o 0-3. Prefiro golos, Sef.
A naturalidade com que a equipa assume a responsabilidade de ganhar sem facilitar, de somar novos registos e recordes a uma caminhada épica deixa-me muito motivado para o que falta desta maratona.
A despedida à equipa a pedir o 38, os agradecimentos dos jogadores com aquele sorriso do dever cumprido, a ligação bancada - relvado é o que nos dá força para uma pequena seca ao frio para sair daquela miserável bancada e percorrer a pé mais de um quilometro até ao carro. A viagem de regresso é feita com o mesmo entusiasmo. Porque o segredo destas jornadas está no benfiquismo que une cada um dos passageiros. Mais velhos, mais novos, homens, mulheres, todos unidos pelo amor a um clube. As horas passam rápido porque é uma excelente maneira de colocar a conversa em dia.
Uma merecida paragem no Manjar do Marquês, em Pombal para o último prazer do dia, comer aquele arroz de tomate com filetes, panados ou pasteis de bacalhau. Depois até casa é um instante.
Chegar a casa com sentimento do dever cumprido e pensar: tenho de voltar a ver o Weigl a jogar.
Que tempos maravilhosos para se ser do Benfica. Mais uma viagem, mais um capítulo de benfiquismo preenchido de forma riquíssima neste longo livro que vamos escrevendo enquanto cá andarmos. E que nunca tenhamos como certo o dia de amanhã nem o sucesso do Benfica. É preciso aproveitar todos os novos dias, como se percebe com o chocante desaparecimento do lendário Kobe Bryant e é preciso lutar pelo Benfica bem sucedido. Todos os dias enquanto cá andarmos.
Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.
Infelizmente, Eusébio morreu hoje. O Eusébio dos autógrafos, dos sorrisos na rua, dos acenos, o homem desapareceu. A lenda continua, já era maior que ele há 40 anos quando eu nasci, vai ficar ainda maior.
Certamente, a esta hora já ninguém se lembra do preço do Rafa quando saiu do Braga para o Benfica. Nem tão pouco daqueles que criticaram as verbas envolvidas. É esta a magia do futebol. Em pouco tempo tudo muda, tudo se transforma. O Rafa deixou um Braga que raramente vencia o Porto e antes do derby foi ganhar ao Dragão. Quando o Rafa chegou ao Benfica, o Sporting vivia tempos de euforia com um Presidente/Adepto e Jorge Jesus a treinar. Rafa foi titular em Alvalade e viu já no banco o empate de Lindelof que seria importante para o tetra.
O mundo continuou a girar, o Benfica volta a Alvalade como campeão, como tem sido normal nos últimos anos, e prepara-se para um derby que é sempre aliciante. Só que desta vez soube só a normalidade.
Chegar a Alvalade cedo teve uma vantagem, foi possível seguir tranquilamente as surpreendentes incidências do jogo do Dragão. O Porto perde, o Benfica entra em campo e, de repente, o contexto de pressão muda todo. Aquilo que os portistas esperaram o dia todo e que a TSF bem ilustrou numa noticia que envelheceu mal e rapidamente, tornou-se num pesadelo. Em vez de um último suspiro de um abatido leão que roubasse pontos ao rival e deixasse os azuis a um ponto, passou para um cenário de distância de 7 pontos!
Não sei se fui só eu a ficar com esta sensação em Alvalade, mas o momento do Sporting é deprimente e alastra-se às bancadas tornando o ambiente do estádio vulgar e embaraçoso. Claques ausentes, recinto por esgotar, zero empatia entre equipa e adeptos, e um cenário demasiado fraco para um derby deixando no ar uma estranha sensação a zona de conforto para os adeptos do Benfica que não sabem o que é perder ali para a Liga desde aquele penalti manhoso do Ricky van Wolfswinkel há oito anos!
Se dúvidas haviam quem tinha mais vitórias em derbys para o campeonato com o Sporting como visitado, dizia-se que havia um empate porque não querem contar com um jogo em campo neutro mas que era o Sporting a jogar em casa, então agora já nem dá para essas manobras. Por falar em manobras, é degradante ver aqueles panos pendurados com os campeonatos que o Sporting venceu noutro século. Estão noutro ciclo de 18 anos sem vencer a Liga e não percebo se querem mostrar aos sócios mais novos que em tempos também foram campeões ou se é para impressionar quem lá vai. Da nossa parte, só sentimos vergonha alheia e espanto por ver ali mais campeonatos do que realmente venceram, sendo que numa época até tiram um nosso com uma lata incrível. Sim, 1937/38 é nosso.
Faltava ver o que o jogo nos dava. A tal imprevisibilidade do derby. O factor Bruno Fernandes, a motivação de ser contra o eterno rival, tudo podia trazer um jogo complicado.
Nada disso. Em Alvalade está tudo a bater certo, a equipa tem a alma e a alegria de um fidalgo falido. Futebol deprimente do Sporting. Ironicamente, a pior coisa que podia ter acontecido ao Benfica foi saber o resultado do Porto antes do derby. A equipa ao sentir que o Sporting está perfeitamente ao alcance e que mesmo com um empate aumentava a diferença pontual para o 2º classificado, o futebol do Benfica não teve aquela vertigem e velocidade que costuma dar vantagem. É evidente que não podemos esquecer como é que ambas as equipas chegaram aqui. O Sporting jogou no Sábado contra os restos do plantel do Vitória FC, numa jornada vergonhosa para o futebol português e na 3ª feira ficou no sofá a ver jogos da Taça de Portugal de onde foi corrido pelo Alverca. Portanto, o Benfica quis controlar o ritmo e o esforço físico. E mesmo em contenção percebia-se que ia chegar à vitória assim que acelerasse o jogo ou chegasse um jogador mais inspirado. É verdade que Rafael Camacho teve aquela oportunidade, erro de Ferro, e acertou no poste, e também houve um golo anulado em claro fora de jogo mas o resto do jogo do Sporting foi muito frágil e previsível.
Bruno Lage apostou em Gabriel e Weigl no meio. O alemão ganhou o seu lugar e Gabriel aproveitou a estabilidade de Weigl para encher o campo em Alvalade. Fez um jogão pontuado com aquele cabrito em Bruno Fernandes. Cervi justificou a aposta na esquerda, Pizzi indiscutível na direita e Chiquinho mais perto de Vinicius. O português não foi explosivo e acabou substituído por Rafa que foi decisivo. Vinicius deu tudo e ainda foi importante no 0-1. A vitória do Benfica apareceu da maneira mais natural possível, Rafa entra no jogo determinado em resolvê-lo. Fresquinho, preparado para procurar a bola e sair disparado, estava no lugar certo na hora certa para fazer o primeiro golo. Sentiu-se ali que os três pontos estavam ganhos. Tudo tão previsível e natural que nem parecia um derby. O 0-2 já foi um bónus para fechar o jogo, Seferovic excelente a assistir Rafa. Dois homens vindos do banco. Essencial neste calendário tão apertado.
Muitos desabafos na bancada no final da partida a dizer que ganhar ali para o campeonato passou a ser uma boa rotina, e mais preocupação com o próximo jogo na Mata Real do que euforia. Fechámos a primeira volta com uma confortável vantagem mas se queremos fazer do derby da 2ª volta uma festa épica, sim o Sporting fecha este campeonato na Luz, vamos ter que voltar a encarar todos os adversários com a mesma determinação. Guimarães e Alvalade era saídas de risco, jogaram-se muitas fichas contra a liderança do Benfica, afinal até se aumentou a vantagem.
Acho que não há o perigo de euforia entre adeptos. Esta vitória neste derby morno sabe bem mas não entusiasma cegamente. Foi tudo com naturalidade. E isso é bom porque assim ninguém saiu dali a pensar que já estava tudo feito.
O que levo desta visita a Alvalade? Bem, levo com carinho dois momentos em que Alvalade é capaz de ser caso único no mundo. A maneira como aquela gente protesta os lances. A forma como reagem com assobiadelas a decisões da arbitragem. Reparem que não estou a falar em golos anulados, penaltis ou lances capitais. Não, nada disso. Falo de um simples lançamento lateral. Seja de um lado, seja do outro, é incrível ver e ouvir a maneira épica como as centrais de Alvalade assobiam e se espumam a protestar todo e qualquer lançamento lateral. Chega a ser cómico e viciante. Maiores assobiadores do mundo.
Outro bom episódio aconteceu na 1ª parte quando o Benfica quase marcava. A bola sai ao lado do poste e ainda agita as redes da baliza por fora, claro. "Bruá" no sector visitante, normal. Reacção da multidão verde à volta: gozarem por termos achado que ia ser golo. Mas a gozarem à grande mesmo. Como se não estivessem a caminho de ficar a 19!! pontos do rival. Foi giro.
Já agora, explicar que o Benfica atacou primeiro para a baliza onde estavam os seus adeptos porque Bruno Fernandes escolheu campo. É estranho porque o Sporting gosta de atacar primeiro para o lado do sector visitante. Mas depois de vermos o triste espectáculo das claques com mais uma chuva de tochas e fumos ficamos a pensar que, se calhar, o Bruno sabia coisas.
Por falar em Bruno. A imprensa portuguesa toda preocupada com a saída do Bruno Fernandes antes do derby ainda não tinha percebido que para o Benfica é indiferente a sua presença. O Bruno que realmente interessa é o Lage. Com o Mister Bruno, o Benfica ganhou por 2-4 e 0-2 para a Liga e, pelo meio, deu 5 na Supertaça quando o Bruno ameaçava sair. Foi ficando, a imprensa toda contente e depois de ser goleado na Supertaça vê o Mister Bruno aumentar para 19 pontos de avanço na tabela. O Sporting actual também é isto, uma equipa de um homem só. Pobre Bruno Fernandes. Espero que ainda vá à Luz na última jornada. Tem dado sorte.
Noite tranquila em Alvalade, triunfo natural com Rafa em grande e um olhar para o futuro com um sorriso nos lábios. Por causa da pontuação, por causa da incrível série de vitórias e pela qualidade individual à disposição do Bruno. O bom.
Venha de lá essa segunda volta. Um obrigado a todos os que mandam no futebol português por nos terem feito chegar a casa no dia a seguir ao jogo da Taça na 3ª feira e ao derby de hoje. A verdadeira Liga da Madrugada.
Primeiro uma palavra elogiosa para os adeptos do Benfica que compuseram as bancadas da Luz de forma muito digna para um jogo às 21h15, numa noite fria e chuvosa de inverno, numa 3ª feira. Outra palavra para os adeptos do Rio Ave que não puderam assistir ao jogo no estádio porque este horário ignorou por completo que há adeptos em Vila do Conde que gostam do seu clube, de futebol e da competição.
Ou seja, perante o desprezo total pelos adeptos da parte de quem organiza, o Benfica apresentou uma moldura humana interessante mostrando, assim, que é muito maior do que qualquer competição e organização em Portugal.
Depois do vergonhoso agendamento de jogos dos 1/4 de final da Taça de Portugal espero que a FPF não tenha a hipocrisia de continuar a usar os rótulos de Prova Rainha ou Festa da Taça.
A única prova rainha desta noite foi o Telejornal da RTP que fez da festa da Taça uma conquista de audiências que já dão para um mês de festa na televisão pública. Tudo com o desprezo total, de novo, para com os adeptos de futebol.
Agora elogios para o adversário. O futebol que o Rio Ave pratica tem que ser elogiado. Que belo trabalho apresenta Carlos Carvalhal à frente do Rio Ave. Futebol com bola, apoiado, com atracções de zonas para depois explorar espaços contrários, futebol atrevido, futebol descomplexado, o gosto de construir a partir de trás, ter paciência a organizar e, também, muita qualidade sem bola, zonas de pressão bem delineadas, posicionamentos fortes, e olhos postos na baliza contrário. Jogadores como Taremi, Diego, Nuno Santos, Piazón e o Dr. Tarantini, fazem dos vilacondenses uma bela equipa de futebol.
Lutaram pelo apuramento até ao fim, não aguentaram a mais valia individual natural do Benfica e saem da Taça de Portugal com honra. Situação bem diferente daquela que viveram na Taça da Liga de onde foram corridos porque a organização não os quis na Final 4.
Pelo meio umas palavras para Artur Soares Dias. Posso não perceber nada de arbitragens e até ignorar muita coisa relacionada com árbitros neste espaço, porque não gosto mesmo de falar do assunto. Mas peço que não nos tomem por otários. Eu percebi perfeitamente o que aconteceu ali nos dois lances mais polémicos do jogo. Há uma falta sobre Chiquinho na área do Rio Ave que o VAR tem obrigação de ver e dizer a Soares Dias que é penalti ou, pelo menos, para ir rever a jogada. Nada disto aconteceu e na resposta sai golo do Rio Ave. Impensável!
Depois, do nada, Artur Soares Dias marca um penalti sobre o Adel que se nota logo que é uma decisão absurda. Marcou só para poder dizer que até marca penaltis para o Benfica. Só que ele sabe perfeitamente que ali o VAR não ia ignorar e chamou-o logo para ir rever o lance. Nem era preciso, bastava dizer-lhe que não havia falta e saber se ele estava bem para tomar uma decisão daquelas. Assim, o VAR não decidiu nada e o árbitro emendou de forma previsível.
O problema destes árbitros é que se sentem as pessoas mais importantes do mundo ao verem que conseguem irritar ao mesmo tempo dezenas de jogares e milhares de adeptos. Quando o que se lhes pede é mais competência e menos vaidade.
Apesar de tudo isto, o Benfica mostrou uma enorme atitude e força de superação na segunda parte com vários ajustes e novas apostas. Ferro não estava bem no jogo e saiu, Weigl recuou para central (ironia do destino) e entrou Seferovic e fez os dois golos da reviravolta e apuramento para as meias finais da competição.
Para todos os imbecis que acham normal ir insultar o jogador para as redes sociais: vocês não merecem esta alegria. Pensem nisso.
Ainda foram a jogo Samaris e Rafa. O português é um "reforço" de inverno numa altura em que o calendário se intensifica.
Tomás Tavares e Cervi tiveram uma noite brilhante, os outros souberam aparecer na medida certa para cumprir os objectivos. Noite infeliz para Zlobin e Ferro.
O Benfica regressa às meias finais da Taça de Portugal, tal como na época passada e aproveito para repetir que este formato é uma aberração numa prova a eliminar. Duas mãos para decidir os finalistas é completamente contra todo o espírito da prova. Mas ninguém quer saber disso e se temos jogos entre os mesmos clubes em fases diferentes da prova, qual é o mal de uma meia final a duas mãos? Enfim.
Já a seguir há um derby para jogar. Regressamos ao mesmo contexto de Agosto e tudo o que interessa sobre o derby é se Bruno Fernandes joga ou não. Como se isto fosse problema ou tema para o Benfica. Ele jogou na Supertaça? E qual foi o resultado? E depois saiu? Então qual é o assunto?
Deixo uma dica, se o conseguirem vender, façam uma cláusula que lhe permita vir jogar sempre que houver um derby mesmo depois de vendido.
"Com a frase «Alma até Almeida» pretende-se elogiar quem nunca desiste, quem leva até ao fim um trabalho árduo ou perigoso – como se regista no Dicionário de Expressões Correntes (Editorial Notícias, 2.ª edição, 2000)".
O dicionário tem sempre a resposta certa para colocar em palavras o que queremos transmitir. A crónica do jogo podia terminar aqui que toda a gente percebia o seu sentido.
Mas para chegarmos até à expressão "Alma Até Almeida" é preciso também ter mundo. É preciso ter a sorte de ter amigos que vivem o Benfica além dos jogos. Que se juntam depois de uma vitória sofrida para jantar e discutir a partida. Mesmo que nessa mesa estejam benfiquistas que vivem a 300 quilómetros e sigam viagem só após o repasto, mesmo que nessa mesa se repitam presenças dos jogos fora da Luz e, especialmente, mesmo que nessa mesa esteja quem seja aniversariante e mesmo assim se junte à tertúlia. E no fim, nas despedidas, sai um "Alma Até Almeida" como sugestão para tópico da crónica.
Por falar em fazer anos, passei o jogo quase todo a tentar perceber o que se estava a passar neste final de tarde com o Aves. Dia 10 de Janeiro comemora-se o aniversário da Dalila, a minha mãe. Não me lembro do Benfica agravar desfeitas neste dia. A minha ausência num jantar de anos é justificada pela causa maior de ver o Benfica jogar. É uma justificação aceite maternalmente. Improvisa-se um almoço em detrimento do jantar, que seria mais lógico. Tudo resolvido. Mas para acabar dentro da normalidade faltava o Benfica cumprir a sua parte. Mãe, foi complicado mas resolveu-se. O golo do André Almeida é uma espécie de prenda celebrada em família.
Todas as épocas há um jogo assim. Receber o último classificado depois de ganhar em Guimarães. A tentação de lançar Jota, André Almeida, Seferovic e Weigl, num jogo que teoricamente seria o mais indicado para todas estas soluções, torna-se num pesadelo com os imprevistos do futebol.
Foi assim há um ano com o Tondela em casa, voltou a acontecer agora com o Aves. A boa noticia é que o Benfica arranjou uma maneira de resolver os jogos mesmo que nas pontas finais.
Jota não foi feliz, André Almeida mostrou a tal alma depois do empate de Pizzi, Weigl mostrou-se e ficou a perceber que isto não é tão fácil como podia parecer e Seferovic luta contra si próprio na hora de mostrar eficácia na finalização.
Foi preciso chamar Cervi e, essencialmente, Vinicius que entrou e agitou o jogo para o lado do Benfica.
Num noite em que o Benfica bateu o recorde de remates à baliza num jogo da Liga NOS, a vitória em forma de reviravolta é justificada mas só foi possível devido à atitude da equipa até ao fim.
Há muito tempo que não festejava tanto um golo como este do André Almeida. Os tais momentos mágicos, celebrações que mais não são do que um profundo suspirar de alivio. Tal como no ano passado com o o golo de Seferovic ao Tondela na Luz, este golo do André fica na memória de todos daqui para a frente. Sabe bem festejar, é uma emoção única ver a bola a entrar naquela baliza onde costumo ver os jogos. Tudo muito certo mas continuo a preferir um 4-0 ao intervalo como aconteceu em 1985 no primeiro jogo entre os dois clubes na Luz.
No fim da noite são três pontos, um aniversário feliz para quem merece.
O próximo jogo é dia 14. Dia de anos do meu pai. Agora pensem.
Se gostam de futebol, se adoptaram um clube para a vida, se apreciam o espectáculo ao vivo, independentemente das vossas cores, façam o favor de colocar nos vossos afazeres uma ida a Guimarães para assistirem a um jogo da vossa equipa com o Vitória SC. Esqueçam o perigoso fanatismo dos adeptos de Guimarães e os episódios negativos que já aconteceram ali. Informem-se da melhor maneira de estacionar e ir para o estádio e vão ver que está tudo bem organizado pelas forças de segurança. E depois desfrutem de uma experiência rara em Portugal, estar em minoria num estádio vestido de preto e branco, orgulhoso da sua cidade e incansável no apoio à sua equipa. Um ambiente contagiante que motiva ainda mais o sector visitante e leva ao limite todas as manifestações de apoio, das mais habituais às mais radicais. Arremessar tochas para o relvado é uma idiotice, já escrevi isto aqui vezes sem conta. Troca de tochas entre bancadas já é ultrapassar os limites do bom senso, arremessar cadeiras para outras bancadas e relvado também é dispensável. Tudo isto aconteceu com da parte das duas bancadas, da casa e da visitante. São excessos indesejados mas que resultam de um contexto de tensão e confronto no limite. Já tinha acontecido antes, vai voltar a acontecer mas não retira força à experiência de viver fortes emoções à volta de um jogo de futebol. Por tudo isto, a visita ao D. Afonso Henriques é sempre encarada com desconfiança e respeito. O único objectivo é somar 3 pontos e seguir na frente do campeonato. Mas para se vencer em Guimarães é preciso uma enorme dose de esforço, paciência, suar muito, perceber todos os momentos do jogo, fazer golo e jogar com o tempo e espaço dado pelo adversário.
A equipa do Vitória é superiormente treinada por Ivo Vieira, tem jogadores muito interessantes, merecem estar na parte superior da tabela do futebol português e jogam muito bem. Ganhar ali não é é para todos. É preciso estar focado, concentrado e atento a todos os pormenores da partida. Na bancada é preciso ter voz, garganta e pulmão para que a equipa do Benfica nunca se sinta sozinha naquele ambiente adverso.
Quando Pizzi contraria toda uma bancada que do outro lado do estádio pedia para rematar à baliza para fazer um passe atrasado para Cervi, todos entramos num segundo de hesitação. Como se os milhares de benfiquistas suspendessem a respiração naquele topo. Para dois segundos mais tarde explodirem num festejo colectivo tão alto que chegou às muralhas do castelo. Pizzi é um génio a decidir. Cervi é um profissional que soube esperar a sua vez para mostrar toda a sua qualidade e como pode ser decisivo numa maratona que tem muitas oportunidades para oferecer. É o grande momento da noite. Pizzi na direita a optar por assistir, em vez de rematar e Cervi a rematar de pé direito, o pior, para um golo tão desejado quanto festejado.
Depois havia que sofrer muito. Todos sabíamos. A equipa está habituada a estes cenários e sabe tudo sobre estes jogos. Ferro e Ruben em grande noite e Adel Taarabt com uma exibição enorme e poderosa foram os elementos mais valiosos. Acima de todos, Odysseas imperial na baliza a assinar a exibição perfeita. Daquelas que valem pontos.
Quem larga tudo para viajar no primeiro sábado do ano e fazer mais de 700 quilómetros só para ver um jogo de futebol ao frio impiedoso do Minho, tem de gostar muito do clube e de futebol. E se gosta tanto, então sabe que a expectativa para esse jogo não é ver um recital de futebol, uma partida divertida e cheia de bom futebol. Porque o futebol não é só exibições a terminarem com goleadas e facilidades. O futebol também pode ser, e é muitas vezes, um jogo de sofrimento, de nervos, de receios, de incertezas. Um jogo em Guimarães está sempre muito mais perto de ter esta cara de batalha de futebol e menos de poesia de bom futebol e muitos golos. Por tudo isto, quando o jogo acaba e se vence por 0-1 o sentimento de conquista e dever cumprido é muito maior do que na grande maioria dos jogos do calendário português. Entrar nesta aventura de ir atrás da nossa equipa de futebol para testemunhar um jogo destes é quase um acto de masoquismo. Quando acaba bem até parece que o regresso de 360 quilómetros marcados no GPS é uma viagem curta e agradável.
E todos nos sentimos um bocadinho responsáveis pela vitória. É muito bonito ver toda a bancada visitante em harmonia com a equipa no pós jogo. Aquele momento em que tudo faz sentido, eles no relvado a sentirem que deram tudo a agradecer o apoio de um topo que transpira orgulho na sua equipa.
Isto é o futebol vivido por quem guia a sua vida à procura destas emoções. É muito frustrante quando corre mal mas é muito compensador quando corre bem.
Tudo o que vai além deste contexto já é outra coisa que nenhuma ligação devia ter com o futebol. No rescaldo do jogo aparecerem dezenas de figuras que se limitam a estar no sofá ou em estúdios de televisão de telemóvel na mão a orquestrarem reacções de acordo com o que mais lhes convém para destruírem tudo o que foi conquistado no ambiente que já descrevi, é um atentado ao jogo. Pessoas que não sabem o que é largar a família, pagar um bilhete caro, gastar dinheiro em gasolina, refeições e portagens, passar um dia na estrada só para ver 90 minutos de futebol ao frio, rodeado de policias, a sofrer lance a lance, a vibrar a cada golo e a cada defesa decisiva, pessoas que só apareceram nos últimos anos com o propósito de explicar ao mundo que tudo isto é um engodo e que está tudo viciado. Pessoas que estão tão confortáveis nos seus poleiros e de bolsos cheios e felizes com as figuras que fazem que nem dão pelo tempo passar. Só nos últimos seis anos, passaram cinco nisto e só em uma temporada é que tudo foi limpo, legal e bem ajuizado. O resto é tudo uma falcatrua gigante e só truques para prejudicarem as suas equipas. Nenhuma dessas figuras, no entanto, se farta deste roubo e se dedica à sua área profissional. Assumirem que o futebol é só o assunto mais importante das coisas sem importância e partirem para melhorarem a classe política, a classe jurídica, a classe dos músicos portugueses, a classe dos jornalistas, assumirem-se como comentadores com cores próprias e deixarem de ser falsos isentos sonsinhos ou, simplesmente, pagarem o que devem. Mas não! Estão ali perpetuados no seu papel justiceiro de dedo apontado. Nem que seja só a um lance em 90 minutos. Um lance reduzido a frames manhosas que nada explicam e apenas justificam narrativas nojentas fazendo de estúpidos todos os adeptos que ainda vivem para encher estádios.
Sugiro que se acabe com as transmissões televisivas de todos os jogos do campeonato português. Desliguem as câmaras. Devolvam o futebol a quem o joga e a quem quer sentir as suas emoções nas bancadas. Se quiserem viver às custas de conspurcarem o jogo diariamente, tirem os rabinhos das cadeiras e sofás e façam-se às estradas deste país e sofram o que nós sofremos, semana após semana, só para vermos as nossas equipas ao vivo. Ou então façam o mesmo que eu fiz nos anos 90. A partir do momento que vi guarda redes a defenderem com a mão bolas fora da grande área, que vi golos anulados por anca na bola, ou por foras de jogo bíblicos que devem atormentar o pobre Amaral até hoje, ou árbitros a fugirem à frente de uma equipa em fúria, por exemplo, passei a ir só à Luz em movimentos automáticos sem questionar o que me levava a continuar a ir aos jogos. Apenas ia porque gostava de estar na Luz. Mas deixei de discutir futebol, passei a ver mais jogos internacionais e deixei de ir ver jogos fora da Luz com regularidade. Ou seja, sofria para dentro, não acreditava naquilo mas também não chateava ninguém.
O Benfica ganhou sem brilho, o Benfica passou aflito no teste de Guimarães, o Benfica venceu pela margem minima. Sim, sim. Foi isso tudo. Ou então, o Benfica somou 3 pontos no cenário mais duro que teve de enfrentar até agora.
Foi uma enorme vitória do Benfica, foi um arranque de ano maravilhoso. Fui a Guimarães, voltei e estou a escrever às 4 e tal da manhã. E faço-o para contrastar com quem só destrói o jogo. Por respeito a amigos e companheiros que estão acordados a esta hora e rumam agora ao aeroporto de Lisboa para voltarem para o seu local de trabalho actual, como o grande TM que nos guiou hoje de Lisboa a Guimarães e de Guimarães a Lisboa, foi a casa buscar a mal e segue para a sua rotina. Bem longe dos estádios portugueses, a sofrer ao longe mas feliz por aquilo que Bruno Lage tem dado ao clube desde que chegou. Indiferente ao ruído poluente.
O Benfica é muito, mas mesmo muito, maior que todos os ódios juntos porque o amor e entrega dos seus adeptos abafa a raiva e inveja do resto do país.
O Benfica foi ao Bonfim com escassas possibilidades de chegar à Final Four da Taça da Liga. Um cenário que, por ironia do destino ou dos sorteios, era tirado a papel químico do no 2017 quando o Benfica foi fechar o ano no mesmo estádio e encerrar a sua participação na terceira competição do calendário português.
Na altura tive oportunidade de ir a Setúbal assistir ao jogo e vibrar com a roleta do João Carvalho e com o primeiro golo do Rúben Dias na equipa principal do Benfica. Nesse jogo o resultado foi 2-2 e só serviu para cumprir calendário.
Desta vez, a remota hipótese que o Benfica tinha em ser apurado resumia-se a esperar que o Vitória de Guimarães não ganhasse em casa ao Covilhã. Ora, sabendo-se que a fase final será jogada no cenário mais apetecível para os vimaranenses se imporem, em Braga, era óbvio que o Vitória ia cumprir a sua obrigação.
Mesmo assim, demorou mais de uma hora a chegar a notícia da vantagem da equipa de Ivo Vieira, tendo o Benfica aproveitado para cumprir também a sua parte e colocar-se em vantagem. Golo de Raul de Tomas que ainda deu alguma emoção a esta cinzenta competição. Depois lá veio a esperada notícia dos golos dos minhotos e aí o golo de Jota já só serviu de fraco consolo, tal como já tinha acontecido na Covilhã. O Vitória de Setúbal aproveitou a desmotivação alheia para empatar o jogo com dois golos inesperados, o primeiro com Zlobin a facilitar e o segundo de Guedes a desafiar todas as leis da precisão de um remate. Bem a equipa de Setúbal a mostrar uma personalidade completamente diferente daquela que mostrou na Luz há umas semanas quando era treinada por Sandro e tinha Acácio Santos a explicar à imprensa que o processo da equipa era óptimo. Está muito bem entregue a equipa a Julio Velázquez que mostra um futebol bem mais digno.
Desta vez não pude ir ao Bonfim, se tivesse ido dava a viagem por bem empregue só de ver aquele golo do puto Jota. Por falar nos golos, vamos já esclarecer aqui uma coisa importante: "bater" no Jota e no RDT porque não festejaram os golos de maneira efusiva é só mais um triste episódio da malta que faz a famosa confusão entre exigência e "demência".
O RDT marca um golo depois de aproveitar um mau passe do defesa contrário, não tem sido titular, a primeira época fora de Espanha não lhe está a correr bem e ia festejar loucamente um golo na Taça da Liga? Se não o fez em plena Champions depois de um golaço na Rússia ia fazer ali?!
E o Jota que assina um golão no meio de uma exibição que nem a ele o estava a convencer, sabendo que o Vitória já estava apurado e reparando que só está a conseguir marcar em alturas em que já não chega para ajudar a equipa. Teve o cuidado de agarrar o emblema e beijá-lo no meio daquele contexto.
Se ambos festejassem iam ser criticados por serem tolinhos e andar a festejar golos que não servem para nada na competição menos importante da época. Isto não é nada fácil de lidar, chiça!
Só para concluir esta não questão deixo o meu exemplo a título pessoal. Raramente festejo um golo de maneira exuberante ao longo da época. No jogo com o Estoril a seguir à derrota em casa com o Porto com aquele golo do Herrera, o Benfica ganhou com um golo do Salvio perto do fim. Nem me mexi. Só senti alivio por cumprirmos o mínimo mas já tinha interiorizado que a derrota no clássico tinha comprometido o campeonato. Isto é criticável? Não é. Como também não é lógico criticar quem festejou, a começar por jogadores e staff no relvado. É uma não questão.
O Benfica termina esta fase de grupos com três empates. Já na época passada só conseguiu chegar à fase final com um golo de Seferovic perto do final da partida na Vila das Aves. O pior veio depois. Eu senti que não somos bem vindos naquela Final Four de apuramento de Campeão de Inverno numa semana de festa do futebol com um circo montado em Braga com a Liga Portugal a mostrar ao país como é bonito o futebol português. Demasiado artificial para mim. Tão artificial que nem me esforcei para viajar a meio da semana e ver a meia final ao vivo. Desconfio daquele show off todo. Acima de tudo, não tenho memória curta e aquilo que vi no Porto - Benfica dessa noite em Braga ainda hoje incomoda-me. Repito, deu para sentir que não somos bem vindos aquele evento.
Tenho toda a moral para falar da Taça da Liga porque no arquivo vão encontrar muitos textos em que sempre defendi que o Benfica tem que levar a sério a prova e vencer para continuar a somar taças no seu rico Museu Cosme Damião. Quando lhe chamavam Taça da Cerveja, Taça da Carica, Taça Luicilio, quando se diziam aliviados de sair da prova antes do final para não terem desgaste, o Benfica sempre prestigiou a prova. A Taça da Liga cresceu, ganhou dimensão e evoluiu muito graças às sete finais que o Benfica venceu.
Mas a Liga Portugal não soube aproveitar e cimentar a prova. Não soube ou não conseguiu dar o passo final definitivo para que a competição se impusesse com importância no calendário nacional. As mudanças que foram feitas estragaram a ideia inicial e o formato encontrado é do nível do terceiro mundo.
O facto do vencedor da Taça da Liga não ter acesso a uma prova europeia mata à nascença o interesse de quase todos os clubes que lutam por essa possibilidade. A calendarização da prova é absurda. Os primeiros jogos só servem para despachar clubes mais pequenos que ainda nem acabaram a pré temporada e avança-se para um sorteio de fase de grupos que é uma mal disfarçada selecção da natureza à espera que os três clubes de sempre confirmem a presença na tal Final Four. Tudo se faz para que Benfica, Porto, Sporting e Braga estejam nas meias finais. É embaraçoso e pequenino.
A competição nasceu com boas intenções, dar tempo e espaço aos mais jovens de aparecerem num nível competitivo mais interessante. Mas, entretanto, foi criado um campeonato de Sub-23 e há as equipas B a jogarem na segunda Liga profissional. A Taça da Liga perdeu-se neste contexto e mantém um regulamento tão labiríntico que faz com que o público desconfie se aquilo é tudo cumprido. No ano passado tivemos aquele caso do Porto no Jamor, agora temos o Portimonense a protestar um jogo. Para trás temos imagens desoladoras de estádios vazios com jogos a horários idiotas desde o verão até agora. Guardo com um certo carinho as imagens de um resumo de um jogo em Barcelos que devia ter umas 100 pessoas envolvidas, já a contar com as equipas.
O Benfica deixou claro nesta última semana as suas prioridades. Em relação ao jogo da Taça de Portugal com o Braga, Lage manteve Tomás Tavares no 11. E Zlobin. Mesmo assim, com a chamada segunda linha o Benfica tem que ganhar, isso tem que ser uma obrigação. Mas não deu, em especial naquele jogo com o Vitória de Guimarães na Luz, onde ficou claro que não ia ser fácil fazer mais dois jogos em Janeiro. Lá está, depois recordo-me da nossa última presença na Final Four e não consigo ficar demasiado frustrado.
O Carlos Carvalhal tem toda a razão quando diz que isto é para os que precisam de ganhar a vida. Ele e o Rio Ave são a imagem mais simbólica do que é a Taça da Liga actualmente, uma aberração forçado que quer escolher a dedo finalistas e vencedores. É bom para quem precisa disso para ganhar a vida. Ele não precisa e acha que foi ultrapassado um risco demasiado perigoso. Quer bater com a porta. Fica a perder o Rio Ave, fica a perder o futebol português porque o Carlos Carvalhal é do lado bom que ainda há no futebol.
A Liga Portugal no passado mês de Janeiro não pareceu nada incomodada com outro roubo que aconteceu no clássico do Minho. Este ano não vai ter o Benfica e a sua gente para acenar com fan zones e vendas de bilhetes. Vão continuar sem conseguir encher a Pedreira. Ficam a perder como todas as organizações perdem quando não têm o clube que mais gente arrasta presente.
Disse-o em Janeiro, repito agora, esta competição deixou de fazer sentido, por tudo o que expliquei e argumentei atrás, e só a Liga Portugal parece não se importar com isso. Continuam apenas e só preocupados em transformar um semana de Janeiro numa festa tosca, artificial a que juntam o ridículo título de campeões de inverno a uma competição que é uma mão cheia de nada. Mas é sempre divertido ver os que mais desprezaram a prova, os que lhe chamaram os nomes mais imaginativos a festejarem loucamente a sua conquista. Ainda vai dar para ver o único clube, do grupo dos protegidos no formato da prova, que não conquistou o troféu a quebrar essa falha e a festejar como se não fosse um alivio ser corrido a meio da competição.
Uma palavra final para o Vitória de Guimarães que não tem culpa nenhuma deste lodo todo e conseguiu o apuramento de forma bem justa. Que consigam dar uma alegria maior à sua legião de adeptos que bem merece.
A Taça de Portugal é uma prova com enorme história. Foram os clubes, os jogadores e os adeptos que ao longo de várias décadas escreveram capítulos valiosos que todos juntos resultam numa competição mítica que, quase sempre, se resolve no Jamor.
Como adepto do Benfica, as minhas grandes recordações estão relacionadas com jogos do clube na Luz e também fora. Boas e más. Muitas. A primeira final no Jamor com vitória de 1-0 sobre o Porto com golo de César. Todas as finais. A ironia de ter visto só vitórias contra os dois rivais e as derrotas terem aparecido da forma mais inesperada contra outros clubes como Belenenses, Boavista ou os Vitórias.
Gratas recordações das visitas à antiga Luz do Régua, Ponte da Barca ou Dragões Sandinenses, dos 12-0 ao Marinhense e dos 14-1 ao Riachense, que fez um golo por simpatia do Bento que era da Golegã. Daquele prolongamento com o Estrela de Portalegre que o Tó Portela resolveu depois de entrar para o lugar de Chalana e evitar o jogo de desempate em Portalegre. Sim, porque a Taça era a prova onde um empate dava direito a prolongamento e se ficasse resolvido íamos para segundo jogo na casa do visitante. Foi assim que o Cartaxo veio parar à Luz! Tudo a zero até final do prolongamento no Cartaxo, num campo pelado. Escândalo! Jogo para a Luz e 7-0 para o Benfica.
A Taça que me fez ir ver dezenas de jogos ao longo da vida sem o Benfica em campo. As finais entre Farense e Estrela, a tarde do Campomaiorense - Beira Mar, e os jogos das primeiras eliminatórias com equipas dos distritais em acção, em Lisboa e no Algarve.
Tantas e tantas memórias de uma competição que foi ficando fora de moda e pouco apetecível.
Quando a Liga Portugal inventou a Taça da Liga acabou por espicaçar a Federação Portuguesa de Futebol para modernizar e actualizar a Taça de Portugal. Tanto assim é que, actualmente, as meias finais e a final da Taça (mais a Supertaça) são espectáculos ambiciosos e cartões de visita da FPF para rivalizar com aquela bizarra Final Four da Taça da Liga que dá um campeão(?) de inverno na semana do futebol em Braga.
Enfim, lutas de vaidades que pouco ou nada tem que ver com o adepto do futebol.
É verdade que a FPF revitalizou a Taça de Portugal. Chamou os clubes mais pequenos das Distritais para as primeiras eliminatórias a troco de prémios financeiros essenciais para viabilizar a presença de todos na prova.
Mas depois falha no esquema do sorteio. Ao fim destes anos todos ninguém entende o esquema de repescados que desvirtua o espírito da prova e vai buscar equipas derrotadas sem critério nenhum, proporcionando reencontros tão embaraçosos que se repetem jogos entre os mesmo clubes e até com resultados finais diferentes! Impensável.
Foi positiva a ideia de obrigar as equipas dos escalões profissionais a jogarem na casa das equipas "amadoras". Mas a ideia acabou também desvirtuada com desvios de jogos para terceiras casas. Felizmente, é algo que melhorou muito este ano com as visitas do Benfica à Cova da Piedade e Vizela, por exemplo. Mas não deixámos de ter um Porto - Coimbrões na casa do Porto B.
Entre coisas positivais para melhorar a prova está também a entrada de mais operadores de televisão com o canal 11 da FPF. Só que tudo isto passa para segundo plano quando olhamos para o modelo das meias finais de uma prova que é toda ela a eliminar num só jogo. Porque raio é que as meias finais são a duas mãos? Claro que a resposta está nos interesses financeiros. O problema é que desvirtua todo o espírito da prova, mais uma vez. Um clube pequeno que consigo a proeza de atingir a meia final fica com a missão quase impossível de surpreender uma adversário mais poderoso porque vai ter de o fazer duas vezes. O dinheiro não pode ser tudo, a FPF tem que acabar com as meias finais a duas mãos. Querem mais jogos com as equipas profissionais? Então façam com que esses clubes entrem mais cedo em competição em vez de começarem na 3ª ronda, parece-me fácil.
Devolver o feliz rótulo de Festa da Taça aos jogos da prova actual é um acto de enorme hipocrisia. Em testemunhei verdadeiras jornadas de Festa da Taça ao longo das últimas décadas. Só com uma ligeira diferença, os jogos eram disputados aos domingos à tarde, na sua enorme maioria. Vale a pena olhar para esta fase, relativamente adiantada, da prova. Jogam-se os 1/8 de final da Taça. A Festa da Taça fez-se em Viseu numa 3ª feira a seguir ao almoço. Na Póvoa de Varzim a meio da tarde do mesmo dia e na Marinha Grande nessa 3ª feira à noite. Era feriado? Nem por isso.
Continuou hoje na Sertã a seguir ao Almoço, em Paços de Ferreira a meio da tarde e na Luz às 20h45 de uma 4a feira. Era feriado? Claro que não. A festa continua amanhã, 5ª feira, dia normal de trabalho. Estádios vazios, Luz com meia casa, adeptos revoltados por não poderem acompanhar os seus clubes. O espírito da prova rainha não era nada disto.
E o que dizer da medida tomada a meio da prova? A partir desta fase os jogos passam a ter VAR. Então mas e os encontros que ficaram para trás? As dúvidas e as polémicas das eliminatórias anteriores? Muda-se assim as regras?! E estranho. E mais estranho fica quando ficamos a saber mais pormenores sobre esta entrada do VAR na Taça. É que há VAR mas só para alguns! Só em metade dos jogos desta ronda é que há VAR. Digno do terceiro mundo, não é?
E o que isso traz de bom ao Estádio da Luz, em Lisboa?
Como o Benfica - Braga tem a curiosidade de ser disputado precisamente na mesma data de 2014, quando o Braga venceu o Benfica para a Taça, última vitória dos minhotos contra o Benfica, o Conselho de Arbitragem achou que devia chamar o mesmo árbitro dessa triste noite, Artur Soares Dias. E quem melhor do que Carlos Xistra para ir para o VAR? Parece gozo mas não é. É a realidade.
Como se não bastasse o Benfica ter um dos adversários mais duros tão cedo na prova ainda leva com uma dupla de arbitragem capaz de fazer convencer qualquer indeciso a ficar em casa numa noite invernosa de chuva, vento e frio evitando o incómodo de ir passar um irritado serão à Luz.
Como se percebe o único chamariz para termos adeptos no Estádio é o futebol do Benfica, é a história do Benfica e é o amor que os benfiquistas têm ao clube. O resto à volta está todo errado. Todo!
Neste primeiro jogo da Taça de Portugal na Luz descobrimos que há inovação nas regras da prova. Pela primeira vez na vida vejo o Benfica a jogar com o equipamento principal em casa contra uma equipa de vermelho. A regra da Federação sempre obrigou o Benfica a jogar com o equipamento alternativo quando recebia um clube com as cores semelhantes. Vão ver os resumos com o Braga para esta prova em 2012 e 2014 e reparem nas cores do Benfica. Mais uma mudança na tradição.
O que não muda é aquela postura do Artur Soares Dias nos jogos do Benfica. A altivez, a arrogância, o prazer em distribuir cartões amarelos, as faltas e as faltinhas capazes de tirar do sério qualquer Monge do Tibete em reflexão, as decisões erradas contra os jogadores do Benfica, a consulta ao VAR em caso de dúvida que, recordemos sem nos rir, era chefiado por Carlos Xistra...
Foi uma desafio muito complicado para a equipa de Lage que manteve toda a equipa que tão boa conta tem dado, só trocou de guarda redes. O Braga começou em vantagem, os nervos ameaçaram tomar conta da equipa e das bancadas mas com Pizzi e Vinicius tudo se resolve. Hoje. o futebol do Benfica chegou para dar a volta ao resultado contra um Braga muito combativo e a tal arbitragem. Valeu para ver o Tomás Tavares a crescer mais um bocadinho naquele lado direito, para apreciar mais pormenores de Adel, perceber o bom momento de Chiquinho e Cervi e, acima de tudo, pela vitória.
Apesar de tudo ter sido feito para estragar esta Festa da Taça, o Benfica soube dignificar a Prova Rainha e garantir presença nos 1/4 de final. O último jogo de 2019 na Luz foi feliz.
Uma nota para dizer que é um prazer que é rever o André Horta no relvado da Luz, mesmo que tenha sido só para aquecer. Prazer extensível ao seu irmão mas o natural destaque vai para o André pela passagem recente e triunfante que teve no clube.
Já que se fazem tantas mudanças e alterações na Taça de Portugal, vou deixar mais uma sugestão: era importante também ir riscando equipas de arbitragem do caminho. Hoje Soares Dias e Xistra tiveram a sua noite de exibição. Pronto, já chega. Que acompanhem o Braga nesta saída da prova, pelo menos no que diz respeito a jogos do Benfica. Era justo. E sem repescagens, por favor.
Portanto, agora entramos na recta final da prova e os problemas diminuem, é isso? Claro que não! Estamos em Portugal e este país nunca desilude no que diz respeito a originalidades à volta do futebol.
Sabem quem é que pode calhar em sorte ao Benfica na próxima ronda? A equipa da claque do Porto! Sim, o líder da claque legalizada do Porto ( e da Selecção da Federação que organiza a prova) e seus companheiros podem jogar contra o Benfica. Aliás, o líder/jogador já fez saber que o seu desejo é defrontar o Campeão Nacional para mostrar o que é o ADN dos Super Dragões.
Tentei explicar esta possibilidade a um amigo inglês do Liverpool e acho que a esta hora ele ainda pensa que eu estava a inventar só para ser mais bizarro que a Liga dele que obrigou o seu clube a jogar com crianças contra o Aston Villa.
É a Festa da Taça da Prova Rainha.
Obrigado, Benfica por esta vitória e por este ano inesquecível de futebol na Luz! Memorável.