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Red Pass

Rumo ao 38

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Eterno Rei Eusébio

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 Faz hoje três anos que escrevi isto e o sentimento mantém-se:

Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.

 

Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.

Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão. 

O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.

Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.

Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.

 

Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.

 

Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!

Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.

Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.

 

E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.

Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.

A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.

 

Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!

 

Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.

Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.

 

Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!

Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...

 

Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."

Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.

Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.

 

Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!

 

Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.

E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.

 

Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.

 

Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.