Mário Wilson, o Amor, o Carinho e o Seu Cunho Pessoal
Estão a ver esta caderneta mais acima com jogadores do Benfica em 1980? O primeiro cromo do lado esquerdo é do treinador Mário Wilson. Esta foi a minha primeira forte ligação ao senhor Wilson. Não dá para ver com pormenor mas a imagem é composta por uma caricatura feita por Francisco Zambujal e uma pequena foto no rodapé.
Eu tinha 9 anos e esta foi a primeira colecção de cromos que me marcou a sério. Talvez pela engraçada combinação entre o cartoon e a realidade. Foi por aqui que comecei a decorar os nomes dos jogadores e a reconhecê-los cada vez que apareciam na televisão. Tenho uma curiosa recordação destes dias que foi o impacto que teve o facto de estar a ver um noticiário da televisão e apareceu o Velho Capitão a falar. A minha reacção imediata foi correr para o quarto e ir buscar esta caderneta para abrir nesta página da fotografia lá de cima. Orgulhoso e excitado gritei para os meus pais que eu já conhecia o nosso treinador. Não era assim tão frequente ver jogadores e técnicos de futebol a toda a hora na televisão, talvez por isso esse momento me tenha marcado. Senti que fiquei mais próximo de Wilson.
Sinto que foi nesta época que o meu benfiquismo subiu para níveis descontrolados. Assisti a intermináveis discussões sobre a famosa Assembleia Geral de 1979 que durou oito horas e onde centenas de benfiquistas aprovaram a entrada de jogadores estrangeiros na equipa de futebol. Era um assunto de estado, aquilo fascinava-me. Foi por aquela altura que comecei a ir ao Estádio da Luz, embora ainda sem grande noção do que era toda aquela grandeza.
O nome de Mário Wilson já fazia parte do universo do Sport Lisboa e Benfica quando o descobri à frente da nossa equipa. Uma das primeiras frases que decorei foi a famosa "quem treina o Benfica arrisca-se a ser campeão nacional". Tão simples e tão forte.
Sei que esta temporada 1979/80 não foi famosa no campeonato, acabámos em 3º, e na Europa caímos na 1ª ronda da Taça UEFA com o Aris Salonica. Um começo de uma espécie de maldição com camisolas amarelas na Luz. O Aris tinha ganho 3-1 no primeiro jogo e o Benfica aos 50' já tinha dado a volta com Jorge Gomes, o tal primeiro estrangeiro, a fazer o 2-0. Mas a 9' do fim Semertzois marcou o golo que nos afastou de forma inesperada.
A época foi salva no Jamor numa das finais mais épicas da Taça de Portugal. O ambiente estava completamente incendiado por Pedroto que achava que valia fazer tudo para o Porto ganhar. A guerra "norte-sul" era de tal maneira intensa que os sportinguistas juntaram-se aos benfiquistas na hora de apoiar o Benfica contra o FC Porto em Junho de 1980.
Foi um grande dia para mim, de maneira completamente inesperada fiz a minha estreia no Jamor. A seguir ao almoço o meu pai é convocado à última da hora por uns colegas que o foram buscar a Benfica e mesmo no limite, já de porta de casa aberta, fui resgatado com um inesquecível; "também queres vir?".
Jogo muito duro, o Alberto partiu uma perna por causa de uma entrada assassina de Frasco, o ambiente era incrível nas bancadas e o golo de César, o primeiro estrangeiro a marcar numa final da Taça pelo Benfica, fez o golo da vitória aos 36'. Lembro-me da festa no final e de ficar maravilhado com o autêntico caos instalado no relvado do Jamor com invasão de campo dos adeptos benfiquistas. E alguns com camisolas do Sporting e cartazes que ainda hoje são engraçados de se lerem.
Mário Wilson para vencer esta Taça teve de eliminar a CUF, o Tandim, o Portimonense, o Sporting, o Bragança e o Varzim. A vitória foi especial porque o Porto já não perdia há três anos com o Benfica. Foi uma injecção de benfiquismo fortíssima.
Dois anos mais tarde voltei a ouvir falar muito de Mário Wilson mas por causa da sua filha que fez furor ao vencer o, na altura, muito mediático concurso de Miss Portugal.
Entretanto, sempre que o Benfica vencia um campeonato lá vinha a famosa frase de Mário Wilson. O Velho Capitão, esta alcunha vem dos tempos da Académica quando foi nomeado capitão de equipa pelo seu carisma e não pelos estudos como era tradição até aí, andou sempre ligado ao Benfica porque não escondia o seu amor ao clube. Gostava muito da Briosa mas o Benfica era o seu amor.
Nem era preciso ter voltado ao clube para eu aumentar a minha estima por ele. Só pelo que aprendi com ele em criança já o tinha como uma figura maior do nosso clube.
No entanto, Mário Wilson voltou para juntar os cacos de uma triste passagem de Artur Jorge pelo Benfica. Em 1996 o Benfica venceu a Taça de Portugal batendo o Sporting por 3-1 na final do Jamor. O Velho Capitão voltou para mostrar que o Benfica nunca desiste mesmo em tempos complicados, ajudou o clube a manter a cabeça fora de água quando já se sentia a queda no abismo. Foi graças a ele que o nosso jejum de títulos não começou em 1994 e ainda fez de 1996 um ano agradável com aquele troféu.
Nesta altura era uma delicia ouvir Mário Wilson falar sobre a nossa equipa. Os jogadores só precisam de amor e carinho. Ele estava lá para isso e dar o seu cunho pessoal, expressão que gostava muito de usar.
Em 1997 fez a ponte entre Paulo Autuori e Manuel José orientando a equipa à 17ª jornada em Janeiro. Mas Manuel José também não durou muito no banco encarnado. Em plena travessia do deserto, lá voltava Mário Wilson para pegar na equipa até à chegada de Souness. Foram 4 jogos entre Setembro e Novembro de 1997 em que Wilson assumia o papel de bombeiro do clube. Sem nunca se queixar, sem nunca fazer dramas, apenas a ajudar com o seu cunho pessoal e o seu carinho pelos meninos que compunham o plantel do Benfica. Foi assim a sua despedida como treinador do Benfica.
Muito mais do que um treinador, o Mário Wilson dos anos 90 foi a nossa maior reserva moral. Ele foi o nossa esperança em nunca deixarmos de ser Benfica tal como estávamos habituados a ser. O homem nunca se deu por derrotado mesmo vendo a qualidade do plantel a cair a pique de ano para ano, mesmo quando chegaram tempos ainda mais adversos, Wilson sempre teve o condão de ter um discurso positivo e de nos fazer lembrar que nós todos é que somos o Benfica mesmo que muito deprimidos.
Terá sido Mário Wilson uma das figuras mais importantes na altura de darmos a volta e nos reerguemos. A famosa frase dos anos 70 que nos dizia que qualquer um podia ser campeão no Benfica, passou de consensual a recordação de baú. Já se falava do Benfica dos tempos em que Mário Wilson disse aquilo. Mas o autor da frase nunca se deixou convencer por um ciclo negro. Repetiu que esta ideia ia voltar a fazer sentido no Benfica porque nós somos o... Benfica.
Mais recentemente vieram as Galas do clube e como as Direcções de Vieira fizeram tudo para recuperar as nossas maiores figuras ao mesmo tempo que o clube estabilizava, foi com naturalidade que Mário Wilson voltou ao nosso universo para acrescentar mais frases e discursos intemporais. Palavras que deixaram as gerações mais novas empolgadas, frases que despertaram os mais jovens para a sabedoria do Mestre Wilson.
Hoje, Mário Wilson, é um nome respeitado e venerado por todos. Pelos que o conheceram nos cromos nos anos 70, pelos que se agarraram à mística dele nos anos 90, pelos que se emocionaram ao ouvi-lo falar em público sobre os valores mais altos que se levantam, ou seja, o Benfica. E pelos que são de outros clubes, como a Académica, claro, ou o Belenenses, que ele treinou, ou o Alverca, onde se despediu dos bancos, ou o Sporting que ele representou e uniu ao seu maior rival na tal final de 1980.
Não há muitos homens assim, o nosso Mário Wilson é eterno e está à altura dos maiores que representaram o Sport Lisboa e Benfica. Com amor, carinho e o seu cunho pessoal.