No lançamento desta jornada, Rui Vitória aproveitou o começo do novo ano para mudar a sua postura na forma de comunicar com a imprensa. Surpreendeu pela positiva ao mostrar fibra em três ou quatro frases bem estruturadas. Não sei qual o efeito que teve no plantel mas sei que a reacção dos adeptos foi muito positiva. Ainda não se tinha vista tal determinação a defender o nosso clube e a sua honra, por isso crescia, ainda mais, a expectativa de ver como a equipa ia dar seguimento aos últimos bons resultados.
O jogo começa de forma imprevisível com o Marítimo a ser obrigado a trocar Salin por José Sá na baliza logo no arranque da partida. O futebol do Benfica não entusiasmava e já se sentia o nervosismo do Terceiro Anel a condenar uma construção de jogo lenta e apática. Só uma oportunidade de Raul Jimenez mexeu com o jogo. De uma bola perdida pelos madeirenses , Jonas desmarcou o mexicano que voltou a mostrar muitas dificuldades na hora da finalização. Quando devia ter picado a bola por cima do guarda redes resolveu rematar com força contra o corpo de Sá. Na 2ª parte quando tentou um chapéu a bola saiu por cima...
Temeu-se que a defesa do guarda redes suplente do Marítimo o inspirasse para uma noite em grande mas Pizzi encarregou-se de provar o contrário. Primeiro com a ajuda de um defesa, depois aproveitando uma defesa incompleta de José Sá. No minuto a seguir, Raul Jimenez vingou-se e fez o 3-0, novamente após uma defesa incompleta do guardião madeirense. Foram cinco minutos à Benfica a resolver de forma repentina um problema que até perto da meia hora de jogo ameaçava complicar-se. Dos primeiros assobios à goleada foi um instante.
Mérito de Pizzi, sempre pronto para agitar o ataque do Benfica e procurando muito a bola. Mérito de Jonas, sempre disponível para recuar, ir à linha lateral e até ao meio campo procurando espaço e linhas de passe. Mérito de Raul que nunca desiste e acabou por ser importante ao assistir e a marcar, apesar de mais uns falhanços incríveis. Mérito de Carcela que tem aproveitado muito bem o tempo de jogo para mostrar qualidades técnicas, velocidade e criar soluções atacantes, coisa rara nesta equipa.
Renato Sanches foi o primeiro a dar o mote, ainda com 0-0, ao tentar levar a bola à força para a frente, enquanto Fejsa não arriscava sair do seu espaço, deixando para Jardel e, especialmente, Lisandro a função de tentarem passes mais longos ou de ruptura subindo um pouco no terreno.
Com 3-0 ao intervalo num jogo a meio da semana entre a deslocação a Guimarães e a viagem para a Choupana, era de esperar que o Benfica abrandasse na segunda parte. Mas dois penaltis aos 51 e 54' deram a possibilidade a Jonas de fechar de vez o jogo, isolar-se na frente da lista dos melhores marcadores e voltar a bisar pelo Benfica. Ao fim de dez minutos da segunda parte a goleada estava consumada. Talisca entrou e marcou um dos seus golos de marca, remata fácil fora da área e bem colocado.
Depois de uma primeira meia hora apática, o Benfica partiu para uma goleada igual à que tinha aplicado ao Belenenses e aumenta o registo de golos marcados. Não saberemos qual foi o clique para um desfecho tão positivo no primeiro jogo na Luz de 2016 que apenas 31 mil adeptos quiseram assistir ao vivo, mas casou muito bem com o lançamento do jogo. Com esta vitória o Benfica encosta-se no 2º lugar da Liga depois do Porto ter voltado a perder pontos.
Mais uma jornada positiva, mais uma recuperação de pontos. Era jogarmos sempre assim como aquele intervalo entre os 29 e 34 minutos da primeira parte para encararmos o próximo jogo de maneira mais sossegada.
No dia de Reis, dia em que o Rei Eusébio passou pela Luz pela última vez, o Benfica brindou o povo com uma goleada à antiga. Eusébio terá sorrido com a bonita homenagem em forma de golos.
Há dois anos escrevi: Nasci em Abril de 1973 em Moçambique. Vim logo para Lisboa e os meus pais foram viver para a rua em frente ao Califa onde havia uma paragem de eléctricos e autocarros. A paragem em que o povo saía e rumava a pé para a Luz subindo a rua onde eu ia viver mais de três décadas da minha vida.
Tinha eu dois meses e meio de vida e o Benfica ganhava 6-0 ao Montijo e sagrava-se campeão nacional. Marcaram Toni e Jordão, pelos humanos. Eusébio fez quatro golinhos.
Esta introdução serve para explicar que não faço a menor ideia qual foi o momento em que deixei o Benfica entrar na minha vida, eu é que entrei na vida do Benfica sem ter consciência disso. Já fazia parte do universo encarnado por defeito. O Estádio ao lado de casa, o povo benfiquista a passar à minha porta aos domingos e quartas à noite, estava tudo feito mas faltava o empurrão.
O pai da minha mãe, o avô Alberto, fez o resto ao passar-me aquele benfiquismo lindo cada vez que ia lá a casa ver a bola, como se dizia. O padrinho da minha irmã, o tio Victor, criou definitivamente o monstro (eu) ao levar-me para o Estádio quando a família achou que eu já tinha idade para isso.
Até ao dia que entrei na Luz para ver um jogo a sério ficou muito tempo para trás de sonhos a ouvir relatos e, raramente, a ver na televisão com um curioso ritual. Se era jogo europeu, quarta feira à noite, ficava na varanda virada para a rua do califa a olhar fixamente para o impressionante clarão que rompia o negro da noite por trás daqueles prédios vermelhos mais perto do estádio com a janela um pouco aberta para ouvir o , igualmente, impressionante barulho do povo a gritar cada golo. Ainda hoje tenho na mente esse som maravilhoso! Ouvia o relato e assim que se começava a gritar golo na rádio tirava o som para ouvir o verdadeiro "bruá" da Catedral. Era um quadro mágico, o clarão das luzes a iluminar o céu e o som do golo festejado.
Nos jogos de dia ligava o rádio e ouvia os relatos enquanto reproduzia o jogo na alcatifa em cima do tapete do Subbuteo. E tão feliz que uma criança pode ser assim, nem imaginam.
Foi também nesta fase pré Estádio que descobri que uma década antes o Benfica tinha dominado a Europa do futebol e que havia muitos jogadores para descobrir além daqueles que jogavam na altura. O avô Alberto contava histórias sobre o Benfica europeu, sobre campeonatos nacionais ganhos, sobre os Magriços e de como era bom ganhar ao Sporting. O tio Victor explicava o problema de sucessão dos grandes craques dos anos 60, das esperanças que tinha nos novos miúdos e de como era bom ganhar ao Sporting. Em comum havia sempre um nome: Eusébio. Já uma lenda na minha cabeça e mal tinha ele acabado de jogar.
Depois veio a escola primária, a preparatória e o Liceu. Não poucas vezes ao dizer alto o nome e a naturalidade , Moçambique, recorde-se, o eco era repetido: terra do Eusébio! O orgulho que eu tenho de ter nascido no país do Eusébio!
Frequentei as escolas de Benfica, perto de casa e perto da Luz. Rapidamente as idas ao estádio em dias de jogo se tornaram curtas. Era preciso ir lá ver treinos, estar perto dos jogadores, ver as imensas bancadas despidas, viver o Benfica. Assim foi fácil para mim ter o primeiro encontro com Eusébio relativamente cedo.
Começo dos anos 80, fim de tarde da Luz. Porta principal ao pé da águia de pedra, passam alguns jogadores a caminho dos seus carros e simpaticamente distribuem fotos autografadas a quem os esperava. De repente vejo Eusébio a poucos metros de mim. Eu, que nem 10 anos tinha e andava ali a pedir autógrafos e "bacalhaus" a tudo o que tivesse pernas e saísse da porta dos balneários, fiquei siderado! Não tive reacção, não pedi nada, não falei, ele passou-me a mão pela cabeça e riu-se. Fiquei horas com aquela imagem na mente, o Eusébio tocou-me.
E aqui começou uma relação que até hoje nunca consegui clarificar na minha vida. Eu recebi o Eusébio como herança e já em formato de lenda. Mas ao mesmo tempo ele estava ali bem perto de carne e osso.
Mais tarde descobri que Eusébio morava perto da Estrada de Benfica. Foi num daquelas noites de inverno que perto da escola ia com a minha mãe à papelaria, do outro lado da estrada vi Eusébio a sair de um carro. Gritei para a minha mãe que tinha de ir pedir um autógrafo, desatei a correr em direcção a ele para lhe dizer que o primeiro livro que escolhi para ler na biblioteca da escola era sobre o Mundial de 1966. Pelo meio ficou a Dalila em pânico depois de me ver cruzar a estrada de Benfica sem pestanejar. Eusébio ouviu-me, deu-me o autógrafo, esperou pela minha mãe e disse-me para não voltar a atravessar assim a estrada.
A partir daqui cruzei-me com o Rei muitas vezes, felizmente, e sempre com sorrisos à mistura.
Foi à conta dele que fiz coisas sem grande sentido para as pessoas que conviveram comigo ao longo dos anos. Tais como ver os jogos inteiros de Portugal em 1966. É estúpido, um gajo já sabe quanto fica o jogo e quem marca os golos. Pois é mas aquilo é magia pura. Mais tarde consegui ver jogos inteiros do Benfica nas caminhadas triunfantes na Taça dos Campeões Europeus. Impressionante!
Entretanto, ia crescendo a ver o Benfica. As inesquecíveis noites europeias dos anos 80 na Luz vi com o meu pai, sportinguista, que torcia pelo Benfica na Europa muito por culpa de Eusébio e companhia e nos jogos de domingo à tarde passei a ir com a rapaziada lá da rua.
Habituei-me a ver Eusébio nas equipas técnicas do Benfica, a trabalhar na formação do clube e , mais tarde, como embaixador ou algo assim parecido.
Ainda ele fazia parte da equipa técnica como treinador de guarda redes fez-se um passatempo no campo de treinos nº2. Foram às escolas ali da zona convidar os alunos a aderirem a um desafio que era ir defender um penalti do Eusébio para ganhar bilhetes para um jogo europeu. Obviamente fui. Era malta a perder de vista e o bom do Eusébio ali a chutar a tarde toda. Até chegar a minha vez ninguém tinha defendido nada. Recordo-me de estar na baliza, sendo que nessa altura eu tinha a mania que era o Bento nos jogos de rua, e em vez de olhar para a bola fixei o olhar na figura do King. Ele chutou e eu nem vi onde é que a bola entrou, ao ouvir aquele barulho romântico da bola a enrolar-se nas redes saí disparado da baliza para o abraçar perante os protestos dos organizadores. E então , ganhei o bilhete? Claro que não, ganhei um abraço ao Eusébio!
Lembro-me de contar isto em casa todo orgulhoso perante o sorriso de aprovação da minha mãe. Depois a magia acabou quando o meu pai, sempre bem mais realista, fez uma observação pertinente: "Olha lá, mas tu não tinhas aulas à tarde?". Uma criança sofre muito, todos sabemos...
Aos poucos percebi que o Eusébio era uma lenda viva demasiado grande para um clube que inevitavelmente ia perder grandiosidade. Habituei-me a um grau de exigência nas bancadas da Luz que roçava o lunático! O Benfica a construir goleadas de 7, 8, 9-0 ao Penafiel, ao Varzim, ao Vitória de Guimarães e eu nunca pude festejar dignamente essas "tareias" porque à minha volta todos eram mais velhos e encolhiam os ombros. "Isto com o Eusébio eram 14 ou 15."
Eu cresci com os ressacados do maior Benfica da história.
Em 1982/83 vi o melhor Benfica da minha vida. Fui a todos os jogos na Luz, portugueses e europeus, e nunca senti aquelas bancadas verdadeiramente rendidas aquela equipa. Criticavam o Nené, imagine-se! Para mim era maravilhoso ver aquele Benfica jogar mas depois da final perdida com o Anderlecht percebi que, realmente, faltava ali qualquer coisa para ser um Benfica à altura do Benfica de... Eusébio.
Depois vieram as lições nobres. Quando eu mostrava orgulho na pêra que o Bento deu ao Manuel Fernandes o avô Alberto explicava que isso já não era o Benfica dele. Ele viu o Eusébio a marcar um golo ao Yashin e em vez de ir festejar foi cumprimentá-lo, ele viu o Eusébio rematar dramaticamente para o golo na final que dava a 3ª Taça dos Campeões ao Benfica em pleno Wembley contra o Manchester United e ao ver que o inglês defendeu valentemente foi dar-lhe os parabéns pela defesa e aplaudiu!
Por isso é que 48 anos depois vemos o Old Trafford a aplaudir de pé comoventemente o minuto de silêncio do King.
E é aqui que quero chegar. A grandiosidade, a nobreza, o nome de Glorioso, foi tudo erguido a partir das conquistas internas e externas das equipas onde brilhou Eusébio. Obviamente não vamos esquecer todos os outros grandes nomes que jogaram com ele, que jogaram antes dele e alguns que apareceram já depois da sua retirada. A verdade é que Eusébio pelos seus golos, pela sua educação, pela sua humildade, pela sua figura, encarnou o Benfica e engrandeceu-o à escala planetária.
Já me aconteceu em Espanha, na Holanda, em França e , principalmente, em Inglaterra ver e ouvir reacções incríveis só pelo facto das pessoas verem o emblema do Benfica num casaco, numa camisola, num cachecol! Sem eu abrir a boca fui cumprimentado ao som de : "Benfica! EUSÉBIO!" É assim em todo o mundo.
Esta foi a herança mais valiosa e pesada que Eusébio deixou ao Benfica, o respeito! O outro nome do Sport Lisboa e Benfica no mundo é Eusébio. O respeito e admiração que as pessoas têm pelo nosso emblema deve-se muito a Eusébio.
O Castelo de Guimarães costuma ser o símbolo da fortaleza que é o estádio D.Afonso Henriques para o Vitória Sport Clube. Hoje a cidade berço ficou a conhecer um novo Rei, o puro Renato Sanches que resolveu um problema complicado para o Bi Campeão.
No regresso ao local onde se sagrou pela 34ª vez campeão nacional, o Benfica conseguiu fazer melhor resultado do que nessa gloriosa tarde de Maio. Era preciso resgatar os 3 pontos para continuar a sonhar com o Tri e o objectivo foi conseguido. O herói foi mesmo o número 85 que nunca se cansou de lutar nem de tentar bater Miguel Silva. O jovem guarda redes dos minhotos já tinha negado o golo a Jonas e a Pizzi de maneira incrível mas aos 74 minutos nada pode fazer para contrariar o pontapé cheio de raiva e emoção com que Renato selou a vitória. É mais um grande momento para guardar na galeria de memórias em Guimarães, ao lado daquela rabona de Aimar para Suazo, por exemplo.
Já mencionei todos os bons momentos de ataque do Benfica, o resto é para reflectir. Comecemos pela abordagem ao jogo na primeira parte.
Sérgio Conceição apostou tudo numa pressão muito agressiva dos seus homens da frente logo na saída de jogo do Benfica. Sabendo da dificuldade que a equipa de Rui Vitória tem mostrado a construir jogo desde trás, a decisão do treinador do Vitória foi acertada, depois o critério muito largo de Carlos Xistra a deixar passar várias entradas muito duras sobre jogadores encarnados. O Benfica encolheu-se, voltou a cair na armadilha dos duelos individuais com bola e sem ela, enervou-se a sair com a bola jogada e mostrou desnorte total nas opções atacantes no meio campo adversário. Fica na memória uma tentativa de Fejsa meter a bola num flanco e acaba por acertar em Renato Sanches que estava ali tão perto que atrapalhou o passe. Foi a imagem perfeita da falta de organização na hora de atacar. Tudo dependia da inspiração de Nico Gaitán mas o argentino ainda está longe do seu melhor e acabou substituído. Jonas recuava à procura de dar linhas de passe, Raul ia aos flancos fugir das marcações individuais e tentar desequilíbrios que nunca aconteceram, Pizzi foi anulado nas suas tentativas de diagonais e os médios não criavam alternativas. Havia que aproveitar as bolas paradas e as iniciativas de Renato Sanches sempre muito esforçado para levar o jogo o mais para a frente possível.
O problema é que o Vitória pressionava alto com Dourado, Licá, Alexandre Silva e Otávio a tentarem roubar a bola para aplicarem o contra ataque. Tiveram uma boa oportunidade que Licá não quis assumir preferindo assistir Cafú. Apesar do Vitória ter feito quase o dobro das faltas do Benfica, o jogo acabou com 4 cartões amarelos para jogadores encarnados e apenas 3 para os da casa.
O nulo ao intervalo percebia-se bem pelo que o Benfica não fez e pela pressão defensiva que o Vitória aplicou. Pedia-se mais às duas equipas em termos atacantes, principalmente ao Bi Campeão.
A entrada na 2ª parte foi desastrosa com os jogadores do Benfica a caírem em discussões e perdas de tempo. De tal maneira que aos 50 minutos pouco ou nenhum futebol se tinha jogado.
O Benfica tentou pegar mais no jogo mas não mostrava soluções para contornar a defesa branca. Tudo muito lento, muito previsível e demasiado fraco a nível táctico e técnico.
Até que Pizzi consegue isolar-se na área mas permite a tal grande defesa de Miguel Silva. A equipa do Benfica começou a acreditar e Rui Vitória decidiu retirar o limitado Gaitán para lançar Carcela. O marroquino voltou a entrar bem no jogo e justificou a aposta do treinador. Pouco menos de 10 minutos após a troca o Benfica chegava ao golo. Uma bola parada, lá está, que resultou num cruzamento para a área que a defesa vimaranense não afastou com eficácia tendo a bola caído na zona de Renato. O miúdo disparou à primeira mas apanhou um adversário pela frente, a bola voltou e à seguida saiu uma bomba para dentro da baliza. Acto contínuo, Renato corre para a bancada onde estavam os adeptos benfiquistas e vai abraçá-los numa imagem que vale o preço de um bilhete, num momento mágico que é estragado pelo futebol moderno e as suas estranhas regras que obrigam a castigar o herói do povo com um cartão amarelo.
Estava feito o mais complicado, sobrava um quarto de hora para segurar os 3 pontos. A equipa não vacilou e já com Cristante no lugar de Raul e Mitroglou na posição de Jonas, o Benfica somava uma importante e difícil vitória perante mais de 22 mil adeptos num recinto muito complicado.
Entre a apatia da equipa na maior parte do tempo e o momento épico de Renato Sanches, está o encanto do futebol. Um pontapé feliz tudo muda. Hoje correu bem para o nosso lado.