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Red Pass

Rumo ao 38

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Oriental de Lisboa. O “clube de bairro” que não nasceu para ser pequeno

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 Um Oriental-Benfica, no Estádio Engenheiro Carlos Salema. Na foto, o orientalista Mário Luz disputa a bola com Coluna.

 

Esta é uma peça assinada pelo Filipe d'Avillez e publicada hoje no site da Rádio Renascença. Tive o prazer de ser um dos seus entrevistados e reproduzo aqui o trabalho à volta do Oriental. Chamo a atenção também para a edição da Bola Branca às 22h30 onde podem ouvir na rádio esta reportagem.

 

Todos os anos há alguns clubes de divisão inferior que têm a oportunidade única de defrontar um grande. Não é o caso do Clube Oriental de Lisboa, para o qual o jogo com o Benfica de terça-feira é antes um regresso ao passado. Este clube não nasceu para ser pequeno.
 

Chegamos ao Estádio Engenheiro Carlos Salema, onde esperamos encontrar o plantel do Clube Oriental de Lisboa a treinar. Mas não se ouvem gritos, nem ordens do treinador. O silêncio sepulcral apenas é interrompido pelo balir de ovelhas e cabras que pastam as ervas junto ao muro exterior, ignorando os prédios altos que rodeiam o campo.

 

Entrando, torna-se evidente a razão do silêncio. Os jogadores foram treinar para outro lado para tentar poupar o relvado. Devido às chuvadas, o campo está em mau estado. Há 40 anos que o clube de Marvila não joga na principal divisão do futebol profissional, mas os orientalistas ostentam um passado de grandeza e querem receber o bicampeão nacional com as melhores condições possíveis.

 

Com as melhores condições, mas que sejam as suas condições. Muitos esperavam que o jogo com o Benfica (terça-feira, a contar para a Taça da Liga) fosse transferido para um estádio com melhores condições para garantir maior encaixe financeiro. Mas o presidente do clube nem quer falar dessa possibilidade.

 

“O sorteio ditou que o jogo era aqui, o jogo é aqui! Não há mais que ver. Não faz sentido deslocarmo-nos daqui, daquilo que é o nosso meio ambiente, esta é a nossa casa, é aqui que gostamos de jogar, é aqui que nos sentimos bem e é aqui que vamos reviver, em certa medida, o passado”, diz.

 

José Fernando Nabais sabe do que fala. Conhece esse passado melhor que a maioria dos orientalistas. “Eu nasci no Oriental, praticamente. Nem na maternidade nasci, nasci na rua de Marvila. Vejo os jogos do Oriental desde que me conheço, tive a felicidade de ver o Oriental ascender à primeira divisão pela última vez em 1973.”

Este jogo com o Benfica não é, por isso, uma oportunidade única na vida para o Oriental jogar com um grande, é mesmo um “reviver do passado” e, espera o dirigente, uma “catapulta para o futuro”. Um futuro “que tem de ser melhor do que aquilo que tem sido, não haja dúvida nenhuma”.

 

Chelas, Marvilense, Fósforos

 

O presidente não é o único adepto do Oriental que tem memória de melhores dias. Diante da sede do clube encontramos dois amigos à frente de um quiosque, ambos sócios, que confirmam aquilo que nos tinham confidenciado alguns dos jogadores: os orientalistas são exigentes e não se poupam nas críticas ao plantel e aos atletas, sobretudo quando as coisas correm mal.

 

Há décadas que o Oriental não estava sequer na segunda liga, onde se encontra agora, mas há clubes que não foram feitos para ser pequenos.

“Ainda bem que somos exigentes, se não fôssemos exigentes já o Oriental tinha acabado”, diz um dos homens, que se identifica apenas como “Russo do Poço do Bispo”. Distingue entre os adeptos que vão ver os jogos mas não se importam que o Oriental perca e os verdadeiros orientalistas (“A que nós chamamos a quinta coluna”).

"Russo": "Se não fôssemos exigentes já o Oriental tinha acabado"

 

Fala-se muito em bairrismo, mas a verdade é que o Oriental não nasceu com vocação de clube de bairro. Fruto de uma junção de três clubes, o Chelas, o Marvilense e o Fósforos, todos da zona leste da capital, a ideia era ter um clube capaz de ombrear com os maiores e que representasse toda a parte oriental de Lisboa. Daí o nome. O problema é que Lisboa cresceu muito desde 1946 e o clube não conseguiu acompanhar.

 

“A zona oriental de Lisboa, na altura, extinguia-se no início da freguesia dos Olivais. Hoje vai até ao Rio Trancão, com milhares de pessoas, que o Oriental deveria fidelizar. É um trabalho que estamos a fazer, mas que vai levar gerações”, diz o presidente.

O Oriental na época 1984/1985

 

Acredita que “o Oriental tem todas as possibilidades de crescer. Está numa zona densamente populacional, só pode crescer. É preciso é ter as políticas certas e crescer de forma sustentada”.

Joaquim Lopes, amigo de “Russo”, tem duas grandes queixas. “A malta nova que é do Oriental é toda do Benfica, do Sporting e do Porto”, diz. “A gente ia ver o Oriental porquê? Porque jogava lá o primo deste, o primo daquele e o primo do outro. Hoje não. Hoje vamos ver o Oriental e vê-se lá um argentino, dois brasileiros, que nem conhecemos de lado nenhum.”

 

O futebol é do povo

 

Já dentro da sede do Oriental forma-se fila para comprar os bilhetes que começam a ser vendidos para o jogo com o Benfica. Enquanto esperam por Maria João – que na qualidade de secretária também trata da bilhética – trocam-se impressões sobre o estado do clube. O consenso é que a descida de divisão será desastrosa e há quem não compreenda que se tenha perdido a oportunidade de encaixar mais dinheiro com a mudança do campo.

Curiosamente, entre os adeptos do Benfica, que habituados a estádios com melhores condições mais naturalmente lamentariam as do Engenheiro Carlos Salema, encontramos quem aplauda efusivamente a decisão da direcção do Oriental.

 

Não se trata de clubismos, mas de um apreço pela cultura futebolística, explica João Gonçalves, autor do blogue Redpass e comentador da Benfica TV. “Um estádio de futebol antigo, com muita história, é um espaço quase de peregrinação do adepto de futebol e que contrasta completamente com os estádios modernaços, que são precisos também para os grandes espectáculos, mas o futebol não pode viver só disso.”

“O futebol sempre foi do povo e sempre que uma equipa de dimensão menor, mas com grande historial e que ainda tem o campo original, tenta fugir do seu local para gerar um encaixe financeiro maior, seja pela transmissão televisiva, seja por via de maior venda de bilhetes, é errado”, diz.

 

João Gonçalves não tem idade para se lembrar de ter visto o Benfica a jogar em Marvila, mas recorda do seu avô os relatos da reputação aguerrida dos adeptos locais. Memórias confirmadas por António Correia Rodrigues, com quem falamos à mesa do restaurante A Concha. Estamos em Marvila, à volta de uma dose de cozido. “Era um clube, bairrista, como se costuma dizer, e até o campo tinha uma fama... Chamavam-lhe o Monte dos Vendavais”, diz o sócio, de 84 anos, que era do Marvilense antes da fusão.

“Recordo-me do Portimonense vir aqui, trazia umas dezenas de rapazes que pertenciam à Armada, ou lá o que era aquilo, e vinham de Portimão para aqui já preparados para a guerra. Mas o Oriental tinha rapazes que eram bons nisso. Havia uma equipa de 13 aí que eram fora de série.”

Os jogos mais intensos nem eram contra os grandes, garante o sócio. “Os jogos bons do Oriental era o Oriental-Montijo, o Oriental-Barreirense. Íamos ao Montijo e iam sempre parar gajos dentro de água. O Oriental levava sempre mais gente aos campos fora do que o adversário traz aqui”, recorda. “O Oriental nunca tratou mal ninguém, nunca tratou mal ninguém!”

 

Nunca tratar mal ninguém é talvez um ligeiro exagero, a julgar pela história que se segue quase de imediato, sobre um árbitro que num jogo de juniores terá prejudicado o clube local. “Ele trabalhava aqui na Companhia de Gás e Electricidade e o Oriental não ganhou ao Benfica porque ele inventou coisas. Passados dois dias foi ele, foi mota, foi tudo para a doca. Foi tudo parar lá dentro.”