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Red Pass

Rumo ao 38

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Rumo ao 38

Benfica 1 - 2 Chelsea

Quando há 30 anos no final do Benfica - Anderlecht vi uma lágrima atrevida a escorrer pelo rosto do meu avô materno em plena central do Estádio da Luz fiquei embaraçado. Naquela altura senti-me triste por ver os belgas levantarem ali o troféu estragando uma festa que devia ser nossa mas estava convencido que brevemente ia voltar a ver o Benfica em nova final e ser feliz. Parecia-me lógico tendo em conta o futebol que me habituei a ver até ali. Abracei o meu avô a tentar perceber a razão daquela rara lágrima. Ele lá me disse revoltado que a culpa era do sacana do Gutman e que ficou com a certeza que realmente já não ia ver o Benfica ganhar mais troféus europeus, isto numa altura em que os sucessos de 60 estavam ainda bem frescos na memória da geração dele. Ali cresci como benfiquista, fui procurar estudar muito bem o assunto e à medida que ia descobrindo e ouvindo sobre a maldição ia sorrindo pensado que era um grande disparate. Para que não pensem já que isto vai acabar comigo rendido à lenda digo que continuo a achar um disparate.

 

Com as finais de Estugarda e Viena, mais umas quantas saídas injustas de provas da UEFA pelo meio, comecei a perceber que isto não tem a ver com lendas mas sim com ciclos. As gerações de  benfiquistas anteriores à minha tiveram mais sorte que eu. Também tiveram as suas noites de pesadelo, amarguras e tristezas. Eu bem me lembro da maneira como o meu avô falava das derrotas de Wembley e San Siro... Mas festejaram dois títulos europeus que nós recebemos como pesada herança.

A realidade é que em 40 anos já vi o Benfica disputar quatro finais europeias, duas assisti no estádio, duas vi pela televisão. Em nenhuma delas senti vergonha de ser benfiquista. Em nenhuma delas aconteceu acordar no dia a seguir e sentir arrependimento pelo empenho que meti ao logo da época em ir ver os jogos, apoiar e acreditar no sonho. E isso é o que me descansa.

 

 

Em vésperas do jogo com o PSV comentei com o meu avô, que andou pela Europa atrás do Glorioso, que ia ser muito complicado ganhar porque aquela equipa era quase a Selecção da Holanda mais um dos maiores craques dinamarqueses e nós até tínhamos perdido o Diamantino. A resposta foi sábia e pedagógica , como sempre. O Benfica era conhecido como Glorioso desde os primeiros tempos de existência quando venceu uns ingleses numa tarefa que parecia impossível. O Benfica entrou para o restrito núcleo de clubes mundialmente conhecidos porque bateu o melhor Real Madrid e Barcelona da época. E o Benfica não venceu mais porque tem sempre como adversários nas finais as melhores equipas em prova. Eu vi o Anderlecht de Munaron, Vercauteren , Vandenbergh , Lozano e Frimann. Eu vi o PSV com quase todos os campeões europeus da Holanda de 1988. Eu vi o AC Milan de Van Basten, Gullit, Rijkaard e Ancelotti. Todos foram mais felizes que o Benfica mas ninguém pode dizer que não perdemos contra equipas lendárias.

O ponto de vista do meu avô era este, nós para sermos felizes tínhamos que mostrar ao mundo que jogávamos mais que os maiores. Por duas vezes conseguimos e por isso é que ainda hoje passeamos em Amesterdão com o símbolo do Benfica e corremos o risco de ouvirmos de pessoas mais velhas: "Benfica! Eusébio"

Ele tinha razão, faleceu em 1999 numa altura em que o Benfica já estava a anos luz de distância da glória europeia. Deixou-me uma herança pesada.

 

Trinta anos após aquela triste noite na Luz, a última do meu avô em estádios, acontece novo apuramento para uma final europeia. Depois dos festejos justificados pelo golo de CarDeuz aos turcos começou a tensão. Os bilhetes, o cansaço, a outras provas, os dias de férias não marcados, os preços das viagens, as opções de alojamento, o trajecto da aventura, a ansiedade, tudo isto ao mesmo tempo em contagem decrescente. O Benfica em toda a sua dimensão, pensar no Benfica dia e noite, andar nervoso com o momento. Como gerir a competição nacional e esperar pela final internacional? Como se sabe não foi nada fácil viver os dias até à final e cumprir o plano traçado. Partir de Lisboa segunda à noite para Madrid, esperar por novo voo para Bruxelas, que esteve em perigo até à última por causa de uma greve, alugar carro para cumprir a ligação Bruxelas - Amesterdão e depois fazer tudo de volta, uma aventura que terminou há poucas horas.

 

 

O dia da final europeia contra uma equipa que é "só" o campeão europeu em título que conta com jogadores campeões mundiais e alguns dos melhores do futebol mundial torna tudo muito especial. O cenário não podia ser melhor, Amesterdão é uma cidade que já conhecia dos tempos da visita a Eindhoven e está no top das cidades mais interessantes e cativantes para visitar sempre. O orgulho de ver o nosso emblema destacado na imprensa local e europeia, os cartazes de rua a anunciarem o jogo, os locais a falarem de Benfica, os encontros e reencontros com benfiquistas que já não via há anos, a naturalidade com que encontro o Toni no meio do povo na apertada e caótica entrada para o sector H. Tudo faz reacender a chama imensa, tudo me faz sentir orgulho na minha vida de adepto benfiquista.

 

 

Enquanto se espera a entrada passa-me pela cabeça os momentos mais marcantes de outras finais, especialmente o ambiente da Luz contra o Anderlecht. Foi exactamente esse ambiente que vim redescobrir nas bancadas do ArenA ! Que coisa espantosa de se viver, que vontade de vencer, que determinação a apoiar a equipa e fazer frente à mancha azul do outro lado do estádio. Foi o melhor ambiente europeu que vivi fora da Luz. Arrepiante. Funcionou para me motivar. Confesso que ia completamente desmotivado, convencido que não ia correr bem, ainda abalado com o descalabro interno. Foi das poucas vezes que me senti puxado pela bancada, costuma ser ao contrário.

A maneira como exibimos o nosso futebol fez-me sorrir, o ar preocupado dos ingleses que pensavam que iam ter uma noite calma deixou-me orgulhoso. Grande atitude do Benfica, bom futebol. O facto de não termo marcado na melhor fase deixou-me preocupado mas ao intervalo estava bem mais animado do que antes do jogo.

 

O golo do Torres abateu-me, o penalti do CarDeuz ressuscitou-me, a bola do Lampard angustiou-me, a bola do CarDeuz fora da área para defesa de Cech alterou-me, a cabeçada do Ivanovic matou-me. Outra vez. A carambola logo a seguir na área do Chelsea com a bola a não entrar enterrou-me. Quando vejo os nossos jogares a caírem pelo relvado fiquei incomodado, quando reparo nos majestosos écrans do estádio que alguns choravam como crianças senti algo que muito poucas vezes na vida senti. Sentei-me e tentei ser racional, olhei para quem festejava e via grandes craques e tentava convencer-me que isto é futebol. O futebol que eu tanto adoro, o futebol que me deu a conhecer as histórias mais apaixonantes e marcantes do que qualquer biografia ou romance já alguma vez escrito, estava a tratar-me de maneira sádica. Talvez pelo meu carinho para finais dramáticos ao melhor estilo do Maracanazo, ou da final em que o Liverpool deu a volta ao Milan, ou a do Bayern com o Manchester United... Desta vez é a minha equipa a ser vítima das maiores estocadas finais que há memória. Aquele arco que a bola do Ivanovic fez jamais sairá da minha cabeça. A imagem dos nossos jogadores completamente devastados ali à minha frente teve um fim dramático. Pela primeira vez em muitos anos rebentei em lágrimas. Consegui controlar na bancada, mas depois de uma fuga para os corredores aconteceu a visita das lágrimas atrevidas que tinham aparecido ao meu avô 30 anos antes. Agora percebo-o bem. Ele naquela noite não chorou o 1-1, chorou por se ter apercebido que não ia voltar a ver uma final ganha, eu rebentei pelas quatro que vi fugirem, por perceber que a minha humilde missão na imensa história do Sport Lisboa e Benfica é acompanhar um ciclo que começou alto mas já na ressaca da melhor década de sempre, para depois bater no fundo ( e nem foi assim há muitos anos ) , para depois assistir à reconstrução de tudo a partir do zero.

 

 

Eu sinto que estamos mais perto de sermos especialmente grandes outra vez, os dias maus ainda estão muito presentes na memória portanto a tristeza infinita de perder uma final europeia em Amesterdão quando comparada com desfechos de época que ditavam ausência imediata de provas europeias até dá para rir. Aliás, por falar nisso despacho já aqui outro assunto que tem a ver com clubes que vivem agora momentos de ausência europeia. Malta que viveu esta época momentos sublimes contra Videotons e Genks teve a amabilidade de se manifestar das mais diversas maneiras em tons de gozo comigo. Na pior época das suas vidas acharam que era uma boa noite para a criatividade. Foi óptimo porque deu para separar uns quantos do ramalhete. Foi uma óptima limpeza de contactos de telefone, redes sociais e afins. Felizmente, que tenho aqui muitas mensagens de autores não benfiquistas que nunca esquecerei, alguns até com humor fino, mas todas de um respeito incrível. Repito, nunca os esquecerei, verdes e azuis de valor. O resto são restos.

 

Também nunca esquecerei quem me deu a mão levantando-me daquele chão no corredor do ArenA e das palavras para acabarem com o coma, tal como do benfiquista que teve a coragem de me ver com os olhos molhados e não me conhecendo de lado nenhum deu-me uma palmada nas costas e pediu mesmo assim para eu publicar alguma coisa. Aqui está.

 

Quando percebi que podia completar o ritual de ver jogos do Benfica com a publicação de umas palavras foi quando aceitei entrar num blogue dedicado à temática e depois criar o meu próprio espaço. É para isto mesmo que serve o blogue. Desabafo sozinho, egoísta, monólogos que ninguém merece ouvir, textos que ficam arquivados para um dia mais tarde vir ler e sentir vergonha ou orgulho. É , no fundo, o assumir da fraqueza de admitir que eu penso mais no Benfica que aquilo que seria considerado razoável. Mas a verdade é que penso e sinto mais o Benfica que qualquer outra coisa na minha vida.

Esclarecendo, o Benfica é algo abstracto que está no meio das coisas mais importantes da minha vida, os meus pais, a minha irmã, a minha mulher, os meus amigos. A verdadeira família. Quando algo de ruim acontece a alguém desse universo em sofro. Com o Benfica tenho tido muito mais paciência do que com algum outro membro deste núcleo. A quantidade de vezes que já me senti traído pelo Benfica já dava para não ligar a futebol para aí há 20 ou 30 anos. Mas se há quem vá a pé a Fátima por fé em algo que nunca viu e só sente porque não posso eu meter três dias de férias da minha vida real para ir atrás de um sonho e vivê-lo com intensidade? Acabou mal? Sim, acabou. Repetia tudo outra vez? Repetia. Tudo. Tudinho. Repetia? Em Agosto começa novo sonho, até lá tenho tempo de curar mais esta traição. O nosso dia ainda não chegou. Há de chegar. Se não foi com o neto do meu avô, há de ser com os nossos. E até lá o Benfica será sempre o Benfica, uma espécie de religião mas sem enganar ninguém com milagres, apenas e só oferecendo doses brutais e cruéis de realidade e dor. Mas é o Benfica. E é tão bom ser do Benfica.

 

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