Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Red Pass

Rumo ao 38

Red Pass

Rumo ao 38

Da Traição Benfica - Sporting ao Real Madrid: Vítor Pimenta, o Amigo Que me Vacinou Contra Mudanças de Camisolas

vitor_pimenta_madrid.jpg

Desde que comecei a escrever em blogues dedicados a futebol sempre houve um momento que falei de um velho amigo. No projecto Terceiro Anel convenci-o a ter uma coluna regular onde contava várias histórias na primeira pessoa que testemunhou ao longo da sua carreira, tanto como jogador como fisioterapeuta. Foi na altura em que a internet começou a aproximar as pessoas e o mundo. Consegui chegar ao contacto com ele quando era profissional do Gil Vicente.

 

Falo de Vítor Pimenta. Uma daquelas pessoas que conhecemos muito cedo na vida e com quem nos afeiçoamos de tal maneira que nunca mais perdemos o elo de ligação.

Na passagem dos anos 80 para os anos 90 no Liceu de Benfica na turma de Desporto aparece um rapaz tímido, com ar simpático, de sotaque nortenho e meio assustado com aquela realidade. Uma rápida aproximação e fico a saber que esse rapaz vivia o sonho que qualquer um de nós na Secundária de Benfica queria viver.

Como cartão de visita apresenta: jogo no Benfica, vivo no lar do Estádio da Luz, sou da Póvoa de Varzim e venho fazer o 9º ano. A empatia foi imediata. Juntou-se ali uma bela turma. Alguns nunca mais soube nada deles mas outros continuam a ser amigos do peito, como o João Matias que passou de Spunky a proprietário de um emblemático spot de sushi em Lisboa, o Estado Liquido. Abraço grande João!

Foram tempos tão marcantes que nunca mais se esquecem.

 

O Pimenta era o amigo que nós queríamos que tivesse sucesso. A minha família adora-o, por exemplo, e não se esquece das boleias para o Estádio, das refeições lá em casa e das saídas à noite.

Na noite da final da Taça dos Campeões Marselha - Estrela Vermelha fomos para o Estoril. Vimos o jogo num bar num passeio da marginal e depois fomos ver o concerto dos GNR. O Pimenta ia pelos BAN na primeira parte mas acabou rendido à força de Reininho. A noite acabou no Alcântara Mar até às tantas. Como esta houve várias mas esta ficou mais marcada na memória pela diversão que foi.

 

Na escola havia mais malta a jogar na formação do Benfica. Um companheiro de equipa do Pimenta tinha uma irmã que namorava com ... Paulo Sousa. Nunca tinha convivido tão de perto com jogadores do meu clube.

Íamos ver jogos dos juniores e das reservas sempre que o Pimenta era convocado. Numa 4ª feira à noite no Estádio da Luz o promissor defesa direito jogou a titular contra o Torreense. Foi como se estivesse na bancada a ver um jogo de campeonato. Sensação boa torcer por um dos meus no meu relvado, com a nossa camisola, na nossa casa.

 

No Liceu esse foi o melhor ano lectivo ao nível do campeonato de futsal. Montámos uma equipa à volta do Vítor e estávamos fortíssimos. Foi a única vez que joguei uma final de futebol de torneio escolar. Momento alto na vida de estudante, pavilhão da Secundária de Benfica cheio. No entanto, perdemos. O homem que mais nos ajudou a chegar à final teve que ir a casa nesse fim de semana. Nem uma pressão altíssima durante a semana que antecedeu o grande jogo demoveu o rapaz. Tinha mesmo de ir ao norte. Lamentável.

 

A vida continuou e mesmo já em escolas diferentes o contacto manteve-se. Até que um dia o Pimenta aparece com ar de caso e a dizer temos que falar. Pensei que me ia dizer que andava com alguma rapariga de que eu gostava. Mas não. Era muito mais grave.

Ia jogar para o Sporting! Já me trazia uma foto/postal dele equipado com aquelas cores horríveis. Fiquei chocado. Nem sabia o que dizer. Acho que lhe disse algo como nunca mais te falo. Coisa inteligente de se dizer a um amigo. Mas não consegui evitar mesmo o nojo que sentia. Era uma traição. Ele simbolizava o que eu e dezenas de miúdos queríamos na vida, jogar no Benfica. Como era possível ponderar ir para aquele clube asqueroso?!

Ele explicou-me que não era nada demais. Se fose o Porto era pior. Sempre a sorrir, cheio de calma e paciência. Eu só lhe dizia que não podia ser.

 

O Pimenta ficou a saber muito cedo o que é o mundo da bola. O Benfica não contava com ele mas quando soube que ia para o Sporting fizeram de tudo para não o deixar evoluir. Confusões com documentos de permissão de mudança de clube e a vida de um miúdo tramada logo ali.

Fiquei a saber destas maroscas depois e foi assim que terminou a minha inocência para com o mundo da bola. Era uma realidade demasiado dura e bruta para putos de 16 anos. Aos poucos fui percebendo que havia centenas de casos assim. Os clubes não aproveitavam mas também não deixavam os rivais aproveitar.

Não serves para nós mas se vais para o rival espera aí que não pode ser. Nada mudou desde 1990, certo?

 

Isto para dizer que a primeira vez que me senti traído foi no auge da minha adolescência. Um choque que me serviu para nunca mais na vida ficar surpreendido com nada. E neste caso aprendi a ver o drama do meu amigo em vez de estar preocupado com o meu clube ou o rival. Já achei pouco estranho quando anos mais tarde Sousa e Pacheco trocaram o bom pelo horrível.

 

Na verdade, o promissor defesa direito do Benfica foi dispensado e ia ter uma boa oportunidade no Sporting de vingar. Não deixaram por egoísmo e assim o miúdo começou a rodar em outros clubes. Uma viagem que passou por tantos e diferentes locais de Portugal que dava para escrever um livro. Olha que boa ideia, alinhas nisso Pimenta ?

Estava ele no Anadia ou União de Coimbra, agora não me recordo com precisão, e ligou-me porque vinha a Lisboa jogar. Fui passar o dia e a noite com ele. Ofereceu-me os calções azuis que ainda hoje guardo. Rimos, convivemos e recordámos outros tempos. Passou a ser assim sempre  quando nos encontrámos.

Voltou a acontecer quando veio à capital jogar em Alvalade com o Gil Vicente já como fisioterapeuta. Fui ter com ele ao hotel, estivemos a rir no quarto enquanto ele preparava a nutrição dos jogadores. Convivi com o plantel gilista e incentivei-os a pontuarem em Alvalade, pois claro. Tudo em ambiente impecável. Uma constante onde está o Pimenta. Ofereceu-me a camisola do Gil autografada pelo Ednilson que jogou no Benfica.

 

Fiquei surpreendido com a mudança dele para o Rio Ave porque sabia que o clube do coração era o Varzim. A rivalidade ali já não é o que era e ia para perto de casa enquanto desenvolvia a sua clínica, explicou-me. Fiquei feliz e habituei-me a ver o meu amigo Pimenta durante anos a entrar pelos relvados da primeira divisão para acudir aos seus jogadores sempre de chupa chupa na boca. Uma imagem de marca, contou-me mais tarde.

479945_10200414186933108_155542430_n.jpg

Já contei aqui no RedPass o encontro emotivo que tive com ele em plena Luz em 2013. Fica aqui a recordação desses 6-1 ao Rio Ave para quem quiser ler ou recordar. Nesse dia ofereceu-me a camisola do Rio Ave.

Já em plena Era do facebook ficámos muito mais perto. Os tempos de escola sem telemóveis nem internet já lá iam muito atrás.

Contou-me entusiasmado que ia para o Varzim. Acreditou que valia a pena correr o risco de voltar para uma divisão inferior e ajudar o seu clube a regressar aos campeonatos profissionais. Fiquei a torcer muito por ele.

Com a facilidade das redes sociais aproximarem malta distante, quando dei por mim era amigo de malta doente pelo emblema da Póvoa. Passei a simpatizar com o Varzim. Ele enviou-me uma camisola do seu Varzim devidamente autografada. Nunca se esquece.

Fui lá ver um jogo da Taça contra o Espinho. Eu e a minha mulher fomos tratados como se estivéssemos em casa, acabámos a jantar em casa da família Pimenta e a festejar a vitória do Benfica em Guimarães. O Pimenta ficou um benfiquista para vida. Doente como nós.

1291986_10201467830673543_1382819663_o.jpg

 O sucesso profissional dele e da sua clínica não parava de crescer, bastava acompanhar as noticias via facebook.

Também foi nessa rede social que o começo a ver muito ligado a Madrid. Idas ao Bernabéu para ver o Real, fotos com gente ilustre do grande emblema espanhol... Desconfiei.

Depois do enorme abraço que lhe dei no final do jogo em Pina Manique leio o seu anuncio no facebook a dizer que ia para o Real Madrid. O melhor elogio que lhe posso fazer é que achei óbvio e com sentido. Não fiquei pasmado.

O espanto mediático nos últimos dias é engraçado para quem convive com ele desde os tempos de Liceu.

Do pavilhão da secundária de Benfica ao Santiago Bernabéu é uma enorme viagem! Tenho orgulho neste reconhecimento e uma certeza, vai continuar a partilhar comigo bons momentos, vamo-nos cruzar novamente e mais cedo ou mais tarde vou receber uma camisola do Real Madrid autografada por ele.

Grande Pimenta, obrigado por me abrires os olhos logo aos 16 anos. Hoje assisto à partida de treinadores e jogadores para os rivais com total tranquilidade. Tu é que sofreste a minha raiva logo na adolescência. Continua a ser feliz.